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Ora, pois!




EntradaIsaías

Dizem os deuses oniscientes
        (e os há muitos por aí, a predicar seus conhecimentos
        sobre a eternidade e o efêmero)
que orar faz bem, acalma o espírito angustiado
e traz paz à alma.

Mas o que entendem eles de espíritos e de almas
se não conheceram os corpos de suas criaturas,
celas osseocarnais em que somos obrigados a viver?
Ou então, se às suas imagens e semelhanças fomos talhados
terão eles elementos sensoriais que simulam
a dor que deveras sentimos?
E por que inventaram a dor, os artesãos astrais?
Não poderiam ter-nos feito com matéria quintessenciada
e tênue, sutil e indolor?
 
Pedem os deuses oniscientes
que os adoremos e ocupemos seus templos e nosso tempo com orações.
Mas, na sua omnisciência, não sabem o que desejamos
e reiteramos nas preces e nas súplicas?
 
Afirmam os deuses oniscientes,
por meio de seus tradutores e supostos representantes,
que temos livre arbítrio, mas nos ameaçam com punições
se seguimos rotas inexistentes nos manuais celestes. 
 
Afirmam os deuses oniscientes que vaidade é egolatria
e egolatria é soberba, e soberba é pecado capital.
Mas porque aceitam as idolatrias a si dirigidas,
algumas desperdiçadas em custosos altares?
 
Recomendam os deuses oniscientes
permanentes prédicas para lembrá-los,
deuses e santos onissapientes e talvez desmemoriados,
que existimos aqui embaixo,
em estado de permanente de aflição.
 
Mas o que é oração, senão um evento unidirecional,
com respostas desprezadas, equivocadas e incompletas?
Deploro a vossa insegurança, senhores dos recônditos abissais,
ao sustentar vosso poder na ameaça às vossas frágeis criaturas
com castigos junto a Hades ou Belzebu
per saecula saeculorum.
 
Ora, pois, senhores deuses que tudo sabem,
cansei do meu silêncio
e me apresento em completo estado de nudez de alma,
sem artifícios literários ou de pretensa santidade,
pois santo não quero ser.
Sou o homem simples da terra esfarelada
do barro da primeira cerâmica factum in caelo
que recolheu, em uma quase completa existência,
todos os impostos a mim impostos sem maiores explicações,
a não ser o fato de que fui depositado no círculo vital
sob as condições de respirar manentemente,
alimentar-me de quando em quando,
trabalhar para patrões políticos,
multiplicar-me algumas vezes
e, diante de dúvidas filosóficas,
 
Ora, pois, aqui estou.
Nem recuo, nem avanço:
balanço na ponte entre o nada e o não sei onde.
Pergunto a vós: irei aonde?
 
        Mas de resposta somente o silêncio atroz.
 
Tudo atribuo a este meu ranço
de coisa antiga, sempre queixosa e inútil,
de coisa fútil e malcheirosa.
Quero ser ímpar, mas sou par de todos os homens
e das mulheres sem soluções,
sem o consolo baldado de orações.
 
O andar trôpego dos beberrões
marca meus passos. Não sinto abraços
ou o puro carinho das crianças
nessas andanças sem roteiro e horizonte.
Sou poeira universal, menos que um grão cortado ao meio
crendo-me montanha imortal.
Melhor cumpriria tal fado secreto
se filho fosse de Lethe,
sem a sede pelas águas do Mnemósine.
 
Ora, pois, ó deuses que tudo sabem,
não me impeçam mais o prazer do agora
sem a fantasia daquele que ora
pelo deleite nubívago do depois.
 
Curitiba, 06/02/2020
 

De deuses, flores e cores mesclados a carnes

Os deuses não falam com pedras e flores

Artur Alonso Novelhe

olympian

Nós comemos carnes vermelhas
enquanto a rapariga de fome morre

e o mármore é praça,
o centro um círculo para comemorar
as velhas batalhas.
Em seu inicio fora pedra cerimonial

Comemos carne
para que o ventre das mães
não fique sem alimento
dado os medíocres serem insaciáveis

e os deveis, por descuido, ausentes.

Os deuses nos falam no Livro das Homenagens

Enquanto o sol avança pelo meio das pedras altas
E ridos ficam os braços com frio
de aqueles que arriscaram conquistar
um túmulo dormido no mármore

e precisamos todavia dum refúgio certo ao alcance,
na penúltima coluna, no penúltimo lugar sacro,
por onde a luz no solstício penetra
desde as primeiras madrugadas

daí que quando precisemos certezas
inventemos, oculto, um ninho sem ramos

mas os Deuses não precisam de cores imaginarias
nem reparam no sentido, das ramas entrelaçadas
sobre os peitos das musas
que amaram a espécie humana

Nós bebemos seu cálice
sonhamos seu sonho realizarem
e depois ao despertar tão só resta do mesmo o orvalho
Eles não apaziguam nossa dor
nem precisam sacrifícios ordinários,
no altar o cordeiro e na vida a reta palavra.

Pode a escolha errar, mas nunca é inevitável,
apesar de no seu nome se acumulem os cadáveres