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Não vi a casa de Lucila de María del Perpetuo Socorro Godoy Alcayaga

Gabriela Mistral, outra glória do Chile

Monumento a Gabriela Mistral, Monte Grande, Valle del Elqui, La Serena, no Chile

Monumento a Gabriela Mistral, Monte Grande, Valle del Elqui, La Serena, no Chile

Enganei-me ao fazer o roteiro de visita ao Chile. Tinha visto, na Internet, um Centro Cultural Gabriela Mistral e imaginei tratar-se de um memorial dedicado à ganhadora do Nobel de Literatura de 1945, primeiro a ser concedido a um escritor da América Latina. O Centro foi construído em 1972 para abrigar a sede da Terceira Conferencia Mundial de Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD). Terminada a conferência, o edifício foi transferido para o Ministério da Educação e passou a tomar o nome de “Centro Cultural Metropolitano Gabriela Mistral”. Um ano depois, porém, ocorreu o golpe militar liderado pelo General Augusto Pinochet. O Centro foi readaptado e passou a ser sede do governo militar, pois o Palácio de La Moneda foi bombardeado durante a tomada de poder. Em novembro de 2009 a presidente Michele Bachelet reinaugurou o centro, que passou a ser conhecido como Centro GAM, ou simplesmente GAM, com a finalidade de perpetuar a memória da poeta “e honrar seu nome e sua contribuição na conformação do patrimônio cultural do Chile e das letras hispano-americanas”. No entanto, quase nada existe na instituição, em forma material, que lembre Gabriela Mistral, nem mesmo uma placa ou efigie. O local é utilizado para exposições variadas e como um centro de convenções.

Mas existe, sim, uma casa dedicada a ela, em sua cidade natal. É o Museu Gabriela Mistral, no Chile, localizado na cidade de Vicuña, na região de Coquimbo, ao norte de Santiago. Infelizmente não pude conhecê-lo, desta vez. Mas reuni informações para os leitores do Banco da Poesia.

O museu mantém diversas exposições dedicadas a difundir a vida e a obra da poeta. A mostra permanente apresenta uma coleção de cerca de um mil e100 objetos pessoais da escritora. Uma biblioteca está aberta ao público, com um acervo de aproximadamente dois mil volumes, a maioria pertencente à coleção particular de Gabriela, anteriormente doados ao município para criar sua primeira biblioteca pública.

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Interior do Museu Gabriela Mistral

O museu possui duas salas especiais, a Albricias e a Lagar. Na primeira estão apresentadas, em forma didática, as principais obras da poeta e, na segunda, são realizadas atividades de extensão. Além disso, no interior do museu há uma réplica da casa onde nasceu Gabriela Mistral e um parque com espécies autóctones, como cactos, laranjeiras, chañares e palmeiras.

Vista externa do Museu

Vista externa do Museu

O Museu Gabriela Mistral foi aberto ao público em 18 de setembro de 1957, a poucos meses da morte da poeta, em Nova Iorque . Atualmente a administração do museu está em mãos de da Direção de Bibliotecas, Arquivos e Museus do Chile.

Em  setembro de 1971 foi inaugurado o atual edifício do museu, desenhado pelo arquiteto Oscar Mac-Clure. Em 2008, o museu recebeu uma importante doação, consistente em cerca de três mil objetos pessoais da poeta enviados dos Estados Unidos, que se encontravam em mãos de Doris Atkinson, testamenteira de Doris Dana, amiga íntima de Mistral.

Gabriela Mistral, que, na realidade, se chamava Lucila de María del Perpetuo Socorro Godoy Alcayaga, nasceu em 7 de abril de 1889 e teve uma intensa atividade profissional, como educadora, diplomata, líder feminista e poeta, cuja obra é reconhecida em todo o mundo.

Para que quiser conhecer melhor sua biografia, aí vão alguns endereços:

http://es.wikipedia.org/wiki/Gabriela_Mistral

http://www.los-poetas.com/e/biomist.htm

http://www.memoriachilena.cl/602/w3-article-3429.html

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Quatro poemas de Gabriela Mistral

LA CASA

La mesa, hijo, está tendida,
en blancura quieta de nata,
y en cuatro muros azulea,
dando relumbres, la cerámica.

Esta es la sal, éste el aceite
y al centro el Pan que casi habla.
Oro más lindo que oro del Pan
no está ni en fruta ni en retama,
y da su olor de espiga y horno
una dicha que nunca sacia.

Lo partimos, hijito, juntos,
con dedos duros y palma blanda,
y tú lo miras asombrado
de tierra negra que da flor blanca.

Baja la mano de comer,
que tu madre también la baja.

Los trigos, hijo, son del aire,
y son del sol y de la azada;
pero este pan “cara de Dios”
no llega a mesas de las casas;

y si otros niños no lo tienen,
mejor, mi hijo, no lo tocarás,
y no tomarlo mejor sería
con mano y mano avergonzadas.

* En Chile, el pueblo llama
al pan “cara de Dios.

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A CASA

A mesa, filho, está posta,
em brancura quieta de nata,
e em quatro muros azuleja,
reluzindo, a cerâmica.

Este é o sal, este o óleo
e, ao centro, o Pão que quase fala.
Ouro mais lindo que ouro do Pão
não está nem em fruta nem em giesta,
e dá seu cheiro de espiga e forno
uma sorte que nunca sacia.

Partamo-lo, filhinho, juntos,
com dedos duros e palma branda,
e tu o olhas assombrado
de terra negra que dá flor branca.

Baixa a mão de comer,
que tua mãe também a baixa.

Os trigos, filho, são do ar,
e são do sol e da fornada;
mas este pão “face de Deus”*
não chega a mesas das casas;

e se outras crianças não o têm,
melhor, meu filho, não o tocarás,
e não tomá-lo melhor seria
com mão e mão envergonhadas.

* No Chile, o povo chama 
o pão como “face de Deus.”

Ausencia

Se va de ti mi cuerpo gota a gota.
Se va mi cara en un óleo sordo;
se van mis manos en azogue suelto;
se van mis pies en dos tiempos de polvo.

¡Se te va todo, se nos va todo!

Se va mi voz, que te hacía campana
cerrada a cuanto no somos nosotros.
Se van mis gestos que se devanaban,
en lanzaderas, debajo tus ojos.
Y se te va la mirada que entrega,
cuando te mira, el enebro y el olmo.

Me voy de ti con tus mismos alientos:
como humedad de tu cuerpo evaporo.
Me voy de ti con vigilia y con sueño,
y en tu recuerdo más fiel ya me borro.
Y en tu memoria me vuelvo como esos
que no nacieron ni en llanos ni en sotos.

Sangre sería y me fuese en las palmas
de tu labor, y en tu boca de mosto.
Tu entraña fuese, y sería quemada
en marchas tuyas que nunca más oigo,
¡y en tu pasión que retumba en la noche
como demencia de mares solos!

¡Se nos va todo, se nos va todo!

Ausencia

Ausência

Vai-se de ti meu corpo gota a gota.
Vai-se minha faca em um óleo surdo;
Vão-se minhas mãos em azougue solto;
Vão-se meus pés em dois tempos de polvo.

Vai-te tudo, se nos vai tudo!

Vai-se minha voz, que era para ti um sino
fechada a quanto não somos nós mesmos.
Vão-se meus gestos que se enrolavam
em lançadeiras, sob teus olhos.
E te vai o olhar que entrega,
quando te vê, o medronheiro e o olmo.

Vou-me de ti com teus mesmos alentos:
como umidade de teu corpo evaporo.
Vou-me de ti com vigília e com sonho,
e em tua lembrança mais fiel já me apago.
E em tua memória me torno como esses
não descendentes de planícies ou de bosques.

Sangue seria e me fora nas palmas
de teu labor, e em tua boca de mosto.
Tua entranha fosse, e seria queimada
em tuas marchas que nunca mais ouço,
e em tua paixão que retumba na noite
como demência de solitários mares!

Vai-se-nos tudo, vai-se-nos tudo!

Adiós

En costa lejana
y en mar de Pasión,
dijimos adioses
sin decir adiós.
Y no fue verdad
la alucinación.
Ni tú la creíste
ni la creo yo ,
“y es cierto y no es cierto”
como en la canción.
Que yendo hacia el Sur
diciendo iba yo :
“Vamos hacia el mar
que devora al Sol”.
Y yendo hacia el Norte
decía tu voz:
«Vamos a ver juntos
donde se hace el Sol».
Ni por juego digas
o exageración
que nos separaron
tierra y mar, que son
ella, sueño y el
alucinación.
No te digas solo
ni pida tu voz
albergue para uno
al albergador.
Echarás la sombra
que siempre se echó,
morderás la duna
con paso de dos…
Para que ninguno,
ni hombre ni dios,
nos llame partidos
como luna y sol;
para que ni roca
ni viento errador,
ni río con vado
ni árbol sombreador,
aprendan y digan
mentira o error
del Sur y del Norte,
del uno y del dos!

ADIÓS

Adeus

Na costa distante
e no mar de Paixão,
dissemos adeuses
sem dizer adeus.
E não foi verdade
a alucinação.
Nem tu acreditaste
nem o cri eu ,
“e é certo e não é certo»
como na canção.
Que indo rumo ao Sul
dizendo ia eu :
“Vamos até o mar
que devora o Sol”.
E indo rumo ao Norte
dizia tua voz:
“Vamos ver juntos
onde se faz o Sol”.
Nem por brincadeira digas
ou exageração
que nos separaram
terra e mar, que são
ela, sonho e ele
alucinação.
Só não digas
nem peça tua voz
albergue para um
ao albergador.
Jogarás fora a sombra
que sempre se jogou,
morderás a duna
com passo de dois…
Para que ninguém,
nem homem nem deus,
nos chame partidos
como lua e sol;
para que nem rocha
nem vento errante,
nem rio com vau
nem árvore sombreadora,
aprendam e digam
mentira ou erro
do Sul e do Norte,
do um e do dois!

COSAS

A Max Daireaux

1
Amo las cosas que nunca tuve
con las otras que ya no tengo.

Yo toco un agua silenciosa,
parada en pastos friolentos,
que sin un viento tiritaba
en el huerto que era mi huerto.

La miro como la miraba;
me da un extraño pensamieto,
y juego, lenta, con esa agua
como con pez o con misterio.

2
Pienso en umbral donde dejé
pasos alegres que ya no llevo,
y en el umbral veo una llaga
llena de musgo y de silencio.

3
Me busco un verso que he perdido,
que a los siete años me dijeron.
Fue una mujer haciendo el pan
y yo su santa boca veo.

4
Viene un aroma roto en ráfagas;
soy muy dichosa si lo siento;
de tan delgado no es aroma,
siendo el olor de los almendros.

Me vuelve niños los sentidos;
le busco un nombre y no lo acierto,
y huelo el aire y los lugares
buscando almendros que no encuentro…

5
Un río suena siempre cerca.
Ha cuarenta años que lo siento.
Es canturía de mi sangre
o bien un ritmo que me dieron.

O el río Elqui de mi infancia
que me repecho y me vadeo.
Nunca lo pierdo; pecho a pecho,
como dos niños, nos tenemos.

6
Cuando sueño la Cordillera,
camino por desfiladeros,
y voy oyéndoles, sin tregua,
un silbo casi juramento.

7
Veo al remate del Pacífico
amoratado mi archipiélago
y de una isla me ha quedado
un olor acre de alción muerto…

8
Un dorso, un dorso grave y dulce,
remata el sueño que yo sueño.
Es el final de mi camino
y me descanso cuando llego.

Es tronco muerto o es mi padre
el vago dorso ceniciento.
Yo no pregunto, no lo turbo.
Me tiendo junto, callo y duermo.

9
Amo una piedra de Oaxaca
o Guatemala, a que me acerco,
roja y fija como mi cara
y cuya grieta da un aliento.

Al dormirme queda desnuda;
no sé por qué yo la volteo.
Y tal vez nunca la he tenido
y es mi sepulcro lo que veo…

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COISAS

Para Max Daireaux

1
Amo as coisas que nunca tive
como as outras que já não tenho.

Eu toco uma água silenciosa,
parada em pastos friorentos,
que sem um vento tiritava
na horta que era minha horta.

A vejo como a via;
vem-me um estranho pensamento,
e brinco, lenta, com essa água
como com peixe ou com mistério.

2
Penso em umbral onde deixei
passos alegres que já não levo,
e no umbral vejo uma chaga
cheia de musgo e de silêncio.

3
Busco um verso que perdi,
que aos sete anos me disseram.
Foi uma mulher fazendo o pão
e eu sua santa boca vejo.

4
Vem um aroma rompido em rajadas;
sou muito venturosa se o sinto;
de tão delgado não é aroma,
sendo o odor das amendoeiras.

Tornam-se crianças meus sentidos;
busco um nome e não o acerto,
e cheiro o ar e os lugares
buscando amendoeiras que não encontro…

5
Um rio soa sempre perto.
Há quarenta anos que o sinto.
É cantoria de meu sangue
ou melhor um ritmo que me deram.

Ou o rio Elqui de minha infância
por onde eu subo e vadeio.
Nunca o perco; peito a peito,
como duas crianças, nos temos.

6
Quando sonho a Cordilheira,
caminho por desfiladeiros,
e vou ouvindo-lhes, sem trégua,
um silvo quase juramento.

7
Vejo no remate do Pacífico
da cor amora meu arquipélago
e de uma ilha me restou
um odor acre de martim-pescador morto…

8
Um dorso, um dorso grave e doce,
arremata o sonho que eu sonho.
É o final de meu caminho
e descanso quando chego.

É tronco morto ou é meu pai
o vago dorso cinzento.
Eu não pergunto, não o turbo.
Estendo-me junto, calo e durmo.

9
Amo uma pedra de Oaxaca
ou Guatemala, a que me acerco,
rubra e fixa como minha face
e cuja greta dá um alento.

Quando durmo fica desnuda;
não sei por que eu a volteio.
E talvez nunca a tenha tido
e é meu sepulcro o que vejo…

Versões ao Português e ilustrações de Cleto de Assis

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Ouça “La Casa” na voz da autora