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A Lua e o Dia do Amigo

O dia de hoje tem dois significados e uma só origem. Comemoranos os 40 anos da chegada do homem à Lua, nosso satélite, que cirandeia solitariamente em torno da Terra e, à diferença das luas de outros planetas, não tem nome. Só é Lua. Mas quanta beleza espalha pelo mundo terrenal, não só por sua luz refletida em várias fases, como também pela força de sua atração magnética, capaz de realizar o milagre das marés. E — dizem — influir na paixão dos enamorados ou na fúria dos lobisomens.

Também comemoramos o Dia do Amigo (já lembrei dele no post de Anair Weirich, abaixo). E o que tem uma coisa a ver com a outra?

Ocorre que o Dia do Aimgo foi idéia do argentino Enrique Ernesto Febbraro. Quando, em 20 de julho de 1969, ele testemunhou a viagem da Apolo 11, viu no fato não apenas a vitória da ciência e da tecnologia, mas a ampliação da solidariedade humana e a possibilidade de se fazer amigos em outras partes do Universo. De 1969 a 1970 ele divulgou, em toda a Argentina, o lema “Meu amigo é meu mestre, meu discípulo e meu companheiro”. O Dia do Amigo, no país vizinho, foi instituído por decreto governamental e passou a ser comemorado a partir de 1970.

A idéia foi difundida em todo o mundo e, hoje, quase todos os países comemoram o Dia do Amigo. No Brasil também, mas há quem defenda o dia 18 de abril como a data oficial dos brasileiros para o Dia do Amigo. Assim, 20 de julho seria apenas o Dia Internacional da Amizade. Faz alguma diferença? Afinal, Dia do Amigo não deveria ser todos os dias do ano? Ou os demais são apenas Dias dos Inimigos ou dos Mais ou Menos Amigos?

Para reforçar ainda mais a data e as duas comemorações, escolhi um poema de Carlos Drummond de Andrade sobre a inquietação do homem, sempre aventurando-se em suas viagens, alargadoras de fronteiras do planeta e, a partir de 1969, do próprio Cosmos. Para os amigos, republico um poeminha de minha lavra, dedicado a um amigo que também não via há 40 anos.

O homem, as viagens

xxxxxxxxxxxxxxCarlos Drummond de Andrade
Ilustração: C. de A.

Ilustração: montagem de C. de A. - fotos recolhidas na Internet

O homem, bicho da Terra tão pequeno
chateia-se na Terra
lugar de muita miséria e pouca diversão,
faz um foguete, uma cápsula, um módulo
toca para a Lua
desce cauteloso na Lua
pisa na Lua
planta bandeirola na Lua
experimenta a Lua
coloniza a Lua
civiliza a Lua
humaniza a Lua.

Lua humanizada: tão igual à Terra.
O homem chateia-se na Lua.
Vamos para Marte — ordena a suas máquinas.
Elas obedecem, o homem desce em Marte
pisa em Marte
experimenta
coloniza
civiliza
humaniza Marte com engenho e arte.

Marte humanizado, que lugar quadrado.
Vamos a outra parte?
Claro — diz o engenho
sofisticado e dócil.
Vamos a Vênus.
O homem põe o pé em Vênus,
vê o visto — é isto?
idem
idem
idem.

O homem funde a cuca se não for a Júpiter
proclamar justiça junto com injustiça
repetir a fossa
repetir o inquieto
repetitório.

Outros planetas restam para outras colônias.
O espaço todo vira Terra-a-terra.
O homem chega ao Sol ou dá uma volta
só para tever?
Não-vê que ele inventa
roupa insiderável de viver no Sol.
Põe o pé e:
mas que chato é o Sol, falso touro
espanhol domado.

Restam outros sistemas fora
do solar a colonizar.
Ao acabarem todos
só resta ao homem
(estará equipado?)
a dificílima dangerosíssima viagem
de si a si mesmo:
pôr o pé no chão
do seu coração
experimentar
colonizar
civilizar
humanizar
o homem
descobrindo em suas próprias inexploradas entranhas
a perene, insuspeitada alegria
de con-viver.

Amigos *

xxxxxxxxxxxxxxAo Manoel de Andrade, com a emoção do reencontro.
xxxxxxxxxxxxxxApós 40 anos de saudades.
xxxxxxxxxxxxxxO poema é de antes. A ilustração saiu agora do forno
xxxxxxxxxxxxxxda imaginação, com axmãozinha (ou mãozinhas…)
xxxxxxxxxxxxxxde Michelangelo.

xxxxxxxxxxxxxxCleto de Assis
Amigos1

Tem gente que a gente conhece e esquece.
Tem gente que é parte da gente e não merece.
Tem gente de todo tipo: perto da gente e tão longe,
xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxlonge da gente e bem perto.

Tem gente que ainda nem sabemos,
mas já deixou saudades.

Ai,ai, se eu pudesse escolher
esconderia a pouca gente que me deixa contente
no bolso de tesouros do piá que ainda corre dentro de mim
e que sempre pensou: ter amigos é a melhor coisa que existe.

xxxxxxxxxxxxxxCuritiba
xxxxxxxxxxxxxxJaneiro/2008
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* Publicado anteriormente em Palavras, Todas Palavras

Anair Weirich: livros, livros à mão cheia*

Escritora AnairSegundo a própria Anair Weirich, ela nasceu ” em 02/11/51, na cidade de Chapecó, SC, onde sempre residiu. Escreve desde 1987, mas (sobre)vive de seus livros desde 1996″. Ela é casada com um livreiro e colocou nos livros seus grandes objetivos vitais.

Escreve, faz poesia, vende livros de porta em porta, recita em escolas e em qualquer lugar onde os livros sejam bem recebidos. É uma espécie de cavaleira andante da palavra escrita, cruzada da literatura, troubatrice não errante das feiras de poesia, escudeira dos guerreiros de papel. Nosso breve encontro ocorreu há pouco tempo, em Curitiba, quando Marilda Confortin (sua prima) reuniu em Curitiba um grupo de poetas organizado virtualmente e que, de vez em quando, resolvem se reunir em carne e osso para comprovar suas existências reais.

De Chapecó, lá no oeste catarinense, ela envia seus depósitos ao Banco da Poesia.

Amigos

PANCETTI, José - 1902 - 1958 Ciranda óleo s/ papel, 1942 - 23,4 x 32,5 cm

PANCETTI, José - 1902 - 1958 - Ciranda - óleo s/ papel, 1942 - 23,4 x 32,5 cm

Amigos vêm e vão.
Amigos são uma nação
de corações leais.
Amigos são demais!
Amigos são trigos ao sol.
São cama e lençol
para deitar-se tranqüilo.
Amigos são aquilo
de tudo o que contas.
Amigos são contas
de um colar de diamantes.
São vogais e consoantes
do alfabeto do amor.
Amigos são abrigos
da maldade e da dor.
São a segurança das pontes,
e a água das fontes!
Amigos são artigos de luxo.
Amigos são bruxos
da distância e do tempo.
Amigos são o elemento
que conta na hora H…
Amigos são maná!
São faróis no nevoeiro.
São arco e arqueiro
na precisão do alvo.
Amigos estão a salvo
das tempestades da vida.
Amigos são guarida
nas horas incautas.
Amigos são flautas
que anunciam companheirismo.
Amigos são o muro seguro
que nos protegem do abismo!

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PostScriptum

Peço licença a Anair para colar aqui um recado. Ontem, ao postar seu poema Amigos, eu não me lembrei que hoje, 20 de julho, se comemora o Dia do Amigo. Sei que a autora não se aborrecerá se utilizarmos seu trabalho para homenagear todos os amigos, os meus e os amigos de todos os que são amigos e cultivam amigos como se cultiva flores: com carinho e dedicação. Amigos que, como diz Anair, “são vogais e consoantes do alfabeto do amor.

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Fruto do prazer

Ilustração: C. de A.

Ilustração: C. de A.

Minha meia maçã
deixa-me inteira
massa sã,
que se deita e se deleita
no suculento lento suco
do prazer que escorre.
Trono escarlate,
volátil enleio,
esvai-se ao seio
dos lençóis e morre!

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*  Oh! Bendito o que semeia
 Livros... livros à mão cheia...
 E manda o povo pensar!
 O livro caindo n'alma
 É germe — que faz a palma,
 É chuva — que faz o mar. 

xxxxxxxxxxxxxxxxAntônio Frederico de Castro Alves
xxxxxxxxxxxxxxxxde O Livro e a América (Espumas Flutuantes, 1870)