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Morre o homem que mudou a história das últimas gerações

Sem a sua criatividade e sua persistência, talvez não estivéssemos aqui, reunindo-nos na nuvem internética sempre que desejamos. Ou talvez estivéssemos nos comunicando em diferentes formas. Há quinze anos ele afirmou: “Picasso tinha um ditado: ‘ bons artistas copiam, grandes artistas roubam’. Sempre tivemos vergonha sobre roubar grandes idéias… Acho que parte do que tornou grande o Macintosh é que as pessoas que trabalham nele são músicos, poetas, artistas, zoólogos e historiadores, que também passaram a ser os melhores cientistas de computação do mundo .” O certo é que Steve Jobs soube perceber que o mundo eletrônico é rapidíssimo e apressou esses encontros imediatos com suas criações geniais. Do Apple I ao iPad foram apenas 30 anos. Tivesse a vida lhe reservado mais vinte ou trinta, aonde chegaria? (C. de. A.)

Ser o homem mais rico do cemitério não me importa … Ir para a cama à noite, dizendo que fizemos algo maravilhoso… é isso que importa para mim. “

Steve Jobs

Jamil Snege faz muita falta (Wilson Bueno)

A frase é simples, quase rotineira. Sempre aparece quando perdemos uma pessoa querida. Mas Wilson Bueno, no ano passado, quando sequer imaginava que também se juntaria a Jamil Snege, em algum canto da nova vida (em duplo sentido), a escreveu com a saudade de um amigo cultivado por quarenta anos. Jamil Snege faz muita falta.

Hoje, domingo, oito dias após o aniversário de Jamil, encontrei entre meus livros o seu O jardim, a tempestade (que Bueno considerava a sua melhor obra) e também bafejou aquela brisa de saudade.  Também fomos amigos por muitos anos e convivemos em sonhos e realidades. Uma delas foi o Tempo Sujo, de 1969, seu primeiro livro, por mim ilustrado e editorado com os recursos da época. Na dedicatória grafada n’O Jardim, em 19 de junho de 1989, Jamil fez um P.S. rememorativo: “Nosso Tempo Sujo comleta 22 anos em dezembro próximo. Você acha que ‘limpou’ alguma coisa? Abração, J.S.”

É possível, Jamil, porque temos que acreditar que sempre virão tempos melhores. E sua poesia ajudou a construí-los. Pois, como disse o também poeta Roberto Piva, que igualmente passou para o outro lado há pouco, “a Poesia não impediu Auschwitz. O poeta não existe para impedir essas coisas. O poeta existe para impedir que as pessoas parem de sonhar”. E o melhor da história é que os poetas não morrem. Tiram férias permanentes e seus versos continuam a trabalhar por eles, a limpar os tempos.

Feliz aniversário, Jamil! Porque, sem tirar os já passados sete anos de perenes férias, foram 71 anos de vida bem vivida e que sempre continuará a viver em seus textos. Como faremos com dois poemas, um deles em homenagem a Wilson Bueno. E na página de Crônicas vai o texto de Wilson Bueno, publicado quando você completou 70 anos.

Aos opacos

Jamil Snege, Curitiba (1939, 2003)


……..Deixem-me arder
……..Deixem-me queimar as asas
nesse vela,
nesse sol, nesse leiser que envenena
as couves embrutedidas
pela treva.
…….Deixem-me arder.
…….Se ofendo sua lógica,
sua prosódias, seus anéis
de sempre elegante curvatura,
esmaguem minha musculatura
e os ossos que a sustêm.
…….Mas me deixem arder
…….Deixem-me arder de infinito
nesse iníquo delíquio
de existir.
…….E se os ofendo,
soprem minhas cinzas,
derramem minha lixívia,
mas me deixem auferir
as estrelas como o úmero roto
açoita o músculo que seu vôo
desencanta.
…….Deixem-me luzir
definhar meu luminoso espanto
onde só lhes é permitido
sobraçar espasmos
e guarda-chuvas.
…….E seu eu venha a ferir,
opacos, o lusco-fusco
de seus baços,
o hálito de hortaliças,
o bolor de queijo
que amadurece em seus
atrios
absteçam-me de mil insultos
…….Mas me deixem incender.

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Osso para Wilson


Penso em Wilson Bueno
como um osso ao relento,
nu e núbil como um osso
a esmo.

Osso que se bastasse
de sua óssea alvura,
nu e núbil de sua própria
lua.

Osso que se recusasse
à sina que o paparica
e se adornasse de sua
própria adrenalina.

Osso à deriva, a dedilhar
seus venenos como uma
visita.

Osso Wilson Bueno
Ouço sua cítara.

De O Jardim, a tempestade. Jamil Snege. Curitiba: edição do autor, 1989.

A morte solitária de Wilson Bueno

Um escritor, um poeta, escreve para todos. Semeia palavras, conta histórias, distribui partículas de sua sensibilidade que alcançam a alma de seus leitores. Os escritores, os poetas, os artistas todos, deveriam ser homenageados com o retorno dessa distribuição de felicidade. Deveriam poder partir em paz, anjos que foram ou são em vida, antíteses da maldade e da violência.

Mas a semana começa com uma notícia triste. Wilson Bueno, um desses arcanjos da literatura, foi morto por um covarde ato de violência. E morreu só, vítima da maldade humana, talvez saída de um deconhecido que nunca leu seus versos ou uma linha sequer de seus contos.

Nós, os que ficamos para depois, temos que fazer nossa homenagem pensando em sua recompensa em encontrar gasosa e amorosa nuvem, a receber seu pleno ser, engrandecido em vida por meio de sua obra já imortal.

O Banco da Poesia está abrindo, hoje, uma página especial para Wilson Bueno, que ficará à dispoisção dos leitores e de seus amigos que quiserem ampliá-la com comentários e novos aportes de sua obra.

Que podemos dizer mais? Somente muito obrigado, Wilson Bueno, por tudo de bom que soube construir na sua bela vida literária.

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Homenagem do cartunista Solda a seu amigo

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Amor, sim:
Porque tudo é belo —
A romã, o lábio, a fala, a cisterna.
Amor de amar
A casta flor do chão
E as reentrâncias do muro,
A manhã, a lua, a tarde.
Amor, sim:
Porque a cor do antúrio
Conta uma história serena
E amar o calmo confirma
O ânimo, os deuses que riem
À sombra das árvores
Do jardim de Parmênides.
Amor, sim:
Porque, amorosa, até a nuvem,
Ainda que gasosa acolherá
Meus todos, meus plenos, teus inteiros.

Do livro “35” (poemas de amor)

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Ilustrações: C. de A.

Homenagem de Solda: http://cartunistasolda.blogspot.com/

Homenagem a Nice Braga

Na página de Crônicas, gravei uma homenagem a Nice Braga, esposa de Ney Braga, que faleceu na última segunda-feira, 26 de abril. Uma exceção aos temas deste blog, mas necessária pela importância de uma grande dama que sempre soube, em sua sóbria elegância, ser amiga de todos. (C. de A.)

Um Prêmio para Marilda Confortin

Convite

A Secretaria-Geral da Presidência da República, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e o Movimento Nacional pela Cidadania e Solidariedade convidam para a solenidade de entrega do Prêmio ODM Brasil (3.ª Edição) e do Lançamento do 4.º Relatório de Acompanhamento dos Objetivos do Milênio.

A solenidade será realizada em Brasília, conforme segue:

Data: 24 de março de 2010 ( quarta-feira)
Horário: às 16 horas
Local: Centro de Convenções Ulysses Guimarães – Auditório Planalto
Endereço: SDC – Centro de Divulgação Cultural – Eixo Monumental.

Transmissão ao vivo: http://www.odmbrasil.org.br/noticias_detalhes/55/premiacao-sera-dia-24-de-marco-em-brasilia

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E nos conta Marilda:

Pois é… a boa notícia é que eu estarei lá, para receber esse prêmio juntamente com representantes da equipe da Secretaria Municipal de Educação que ajudou a implantar a Rede de Bibliotecas Escolares em Curitiba, o projeto premiado.

Iniciamos a Rede de Bibliotecas em 2005, quando tínhamos apenas os 45 Faróis do Saber. Hoje, são 170 bibliotecas municipais integradas por um sistema web que permite localizar qualquer título existente no acervo de mais de 700 MIL livros. O plano para o futuro é integrar também as bibliotecas da Fundação Cultural. Aí, serão mais de 1 milhão de livros catalogados para que ninguém nessa cidade tenha a desculpa de não ler. Todas as bibliotecas são abertas à população. É só procurar a mais próxima de sua casa.

Para consultar o endereço das bibliotecas ou pesquisar o catálogo de livros, clique no link: http://www.cidadedoconhecimento.org.br/cidadedoconhecimento/index.php?subcan=12

Dos 1470 projetos avaliados pelo IPEA, foram premiadas as seguintes prefeituras:

– Prefeitura de Belo Horizonte (MG) – Prática: Programa Abastecer
– Prefeitura de Boa Vista (RR) – Prática: Programa Municipal de Saúde Indígena
– Prefeitura de Boa Vista (RR) – Prática: Projeto Estufa
– Prefeitura de Caculé (BA) – Prática: Coleta seletiva de materiais recicláveis
– Prefeitura de Campinas (SP) – Prática: Nave Mãe
Prefeitura de Curitiba (PR) – Prática: Rede Municipal de bibliotecas escolares de Curitiba
– Prefeitura de Novo Repartimento (PA) – Prática: Sustentabilidade ambiental através do cultivo de cacau, pelo SAF
– Prefeitura de Orós (CE) – Prática: Cozinha Comunitária – Nutrição à Mesa
– Prefeitura de Osasco (SP) – Prática: Vigilância da Criança com risco de mortalidade
– Prefeitura de Osasco (SP) – Prática: Recuperação de Minas e Nascentes.
– Prefeitura de Penápolis (SP) – Prática: Agricultura Urbana.

Marilda termina seu recado dizendo: ” Legal, né?”

E nós lhe dizemos: Mais que legal: maravilhoso. Já publicamos em outra ocasião, mas seu trabalho merece ser louvado com os belos versos de Castro Alves:

Oh! Bendito o que semeia
livros… livros à mão cheia
e manda o povo pensar!
O livro cainda n’alma
é germe – que faz a palma,
é chuva – que faz o mar.

Parabéns, Marilda!

22 de março, Dia da Água

Depois do Dia Mundial da Poesia, vem o Dia da Água, outra substância indispensável para a sobrevivência humana. Produto da união de dois gases – um altamente inflamável e outro acelerador da combustão – a água tem a paradoxal capacidade de apagar o fogo e, em estado sólido, reduz drasticamente as temperaturas. Como imaginamos que esta sagrada siubstância jamais acabará, não somos exatamente os melhores guardiões da água, por este mundo afora. Desperdiçamos água, contaminamos e secamos nascentes, poluimos os mares e as grandes reservas de água potável. Daqui a 15 anos, segundo a ONU, mais da metade da população mundial,  ou seja, perto de 3 bilhões de pessoas,  sofrerá escassez de água. A organização também informa que hoje, a cada ano, morrem cerca de 1 milhão e 600 mil pessoas por dificuldades de acesso a água e falta de saneamento básico.

Como afirmou o escritor João Guimarães Rosa:

A água de boa qualidade é como a saúde ou a liberdade:
só tem valor quando acaba.


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Água não é poesia, mas pode ser fonte inesgotável de inspiração poética. Por isso fomos pedir água a alguns poetas para comemorar o seu dia. E, no final do post, anexamos dois pequenos filmes que nos mostram o mundo maravilhoso da água, em sua origem e como fonte permanente de vida. Afinal, sempre é bom recordar que somos formados primordialmente de água: chegamos a conter até 80% do precioso líquido (até os dois anos de idade). Depois essa proporção decresce, com o passar dos anos. O que significa que, ao envelhecermos, simplesmente desidratamos. E, em um belo (ou feio) dia, vaporizamos literalmente.

Enquanto isso não ocorre, louvemos a água, nossa inseparável companheira. C. de A.

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É uma lei da natureza: os homens se congregam onde as águas convergem.

Jacques Yves Cousteau (1914-1997) naturalista francês

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Nossa sabedoria

Carlos Nejar


Nossa sabedoria é a dos rios.
Não temos outra.
Persistir. Ir com os rios,
onda a onda.
Os peixes cruzarão nossos rostos vazios.
Intactos passaremos sob a correnteza
feita por nós e o nosso desespero.
Passaremos límpidos.
E nos moveremos,
rio dentro do rio,
corpo dentro do corpo,
como antigos veleiros.

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Luís Carlos Verzoni Nejar,  (Porto Alegre, 11 de janeiro de 1939), é um poeta, ficcionista, tradutor e crítico brasileiro, membro da Academia Brasileira de Letras.

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Trucidaram o rio

Manuel Bandeira


Prendei o rio
Maltratai o rio
Trucidai o rio
A água não morre
A água que é feita
de gotas inermes
Que um dia serão
Maiores que o rio
Grandes como o oceano
Fortes como os gelos
Os gelos polares
Que tudo arrebentam.

De Estrela da Manhã

Manuel Carneiro de Souza Bandeira Filho, poeta brasileiro (Recife, 19 de abril de 1886 – Rio de Janeiro, 13 de outubro de 1968)

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Água

Francisco Joaquim Bingre


O líquido delgado e transparente
Com que o barro amassou o Autor sob’rano,
Da insigne construção do corpo humano,
Que temperas do home o fogo ardente!

Quando a chama se ateia em continente
Tu corres a sustar o nosso dano:
Tu desabafo és do mal tirano,
Que ataca o coração, soltando a enchente.

Quando tu pelos poros és filtrada,
Água que o fogo aquece, a calma fica
Da máquina acendida, refrescada.

Porém, quando o suor gela na bica,
Quando o frio te torna condensada,
Nossa queda final se verifica.

De Sonetos

Francisco Joaquim Bingre, poeta arcádico e pré-romântico português (9 de Julho de 1763 – 26 de Março de 1865).

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Lição sobre a Água

António Gedeão


Este líquido é água.
Quando pura
é inodora, insípida e incolor.
Reduzida a vapor,
sob tensão e a alta temperatura,
move os êmbolos das máquinas que, por isso,
se denominam máquinas de vapor.

É um bom dissolvente.
Embora com excepções mas de um modo geral,
dissolve tudo bem, ácidos, base e sais.
Congela a zero graus centesimais
e ferve a 100, quando à pressão normal.

Foi neste líquido que numa noite cálida de Verão,
sob um luar gomoso e branco de camélia,
apareceu a boiar o cadáver de Ofélia
com um nenúfar na mão.

De Poesiascompletas

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António Gedeão, pseudónimo de Rómulo Vasco da Gama de Carvalho (Lisboa, 24 de Novembro de 1906 – 19 de Fevereiro de 1997), foi um afamado poeta, professor e historiador da ciência portuguesa.

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Água

André Carneiro


Água, feita de volubilidade
mãe das nuvens e do barro.
posso senti-la discreta
transparente inevitável.

Prisioneira gelada
dos refrigeradores,
vago itinerário dos peixes,
húmido túmulo dos detritos
que os homens repudiaram.

Feita de angústia,
saíste dos olhos
para a estrada áspera
das rugas.

Ergues tua bandeira vermelha
no peito dos apunhalados.

Água,
hei-de beber-te comovido
na inodora volúpia
da tua acomodada transparência.
Embebes de esquecimento
os suicidas.

Tuas mãos rudes
agarram os continentes,
dissolvem os náufragos,
projectam no céu
os velames e as quilhas.
Bojo surdo e verde
cofre de algas e flibusteiros,
bactérias e diamantes.

Quero-te agora
inerte de presságios,
mera adolescente
nascida na terra,
filha perdida do azul.

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André Carneiro (Atibaia, 9 de maio de 1922) é um poeta, escritor, cineasta e artista plástico brasileiro.

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No alto mar

Sophia de Mello Breyner Andresen


No alto mar
A luz escorre
Lisa sobre a água.
Planície infinita
Que ninguém habita.

O Sol brilha enorme
Sem que ninguém forme
Gestos na sua luz.

Livre e verde a água ondula
Graça que não modula
O sonho de ninguém.

São claros e vastos os espaços
Onde baloiça o vento
E ninguém nunca de delícia ou de tormento
Abre neles os seus braços.

De Poesia (1944)

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Sophia de Mello Breyner Andresen (Porto, 6 de Novembro de 1919 — Lisboa, 2 de Julho de 2004) foi uma das mais importantes poetas portuguesas do século XX.

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O rio

Gilberto Mendes Teles

O que me agrada no rio,
o que melhor me convém
nas suas águas de cio
e de tristeza também

é a cantiga de quem
viaja por desfastio,
sem saber que o mar além
seja distante ou vazio.

O rio não perde o fio
de tempo que vai e vem
entre a nascente e o ciicio
da foz qeu sempre contém

o que se quer como um bem
que, sendo embora tardio,
é sombra de peixe e tem
seu melhor tempo no rio.

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Gilberto Mendonça Teles (Bela Vista de Goiás, 30 de junho de 1931) é escritor, professor e poeta brasileiro. Visite sua página no Banco da Poesia.

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A mãe falou: Meu filho você vai ser poeta. Vai carregar água na peneira a vida toda.

Manoel Wenceslau Leite de Barros, poeta matogrossense, (Cuiabá, MT, 19 de dezembro de 1916). Atualmente mora em Campo Grande, MS.


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Dia Mundial da Poesia

Hoje, 21 de março de 2010, mais de cem países estão comemorando o Dia Mundial da Poesia, instituído pela UNESCO há dez anos, com o objetivo de defender a diversidade linguística.

O Banco da Poesia registra a data com um poema de Fernando Pessoa – Liberdade, quase uma brincadeira literária, mas eternamente belo.  Com uma versão musicada do mesmom poema, de autoria de Ronaldo Miranda, gravada no Recital de Graduação em Regência Coral da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em 2007, no Instituto de Artes daquela universidade, com a regente Luana Lied Zapata.

E publicamos, logo abaixo, o primeiro anúncio sobre Poesia, de uma série que vamos revelar pouco a pouco. Afinal, seria muito bom se a Poesia fosse considerada um bem de primeira necessidade e estivesse entre os produtos mais consumidos em nossa sociedade.

Liberdade

Fernando Pessoa

Grafismo sobre desenho de Almada Negreiros

Ai que prazer
não cumprir um dever.
Ter um livro para ler
e não o fazer!
Ler é maçada,
estudar é nada.
O sol doira sem literatura.
O rio corre bem ou mal,
sem edição original.
E a brisa, essa, de tão naturalmente matinal
como tem tempo, não tem pressa…

Livros são papéis pintados com tinta.
Estudar é uma coisa em que está indistinta
A distinção entre nada e coisa nenhuma.

Quanto melhor é quando há bruma.
Esperar por D. Sebastião,
Quer venha ou não!

Grande é a poesia, a bondade e as danças…
Mas o melhor do mundo são as crianças,
Flores, música, o luar, e o sol que peca
Só quando, em vez de criar, seca.

E mais do que isto
É Jesus Cristo,
Que não sabia nada de finanças,
Nem consta que tivesse biblioteca…

Fernando Pessoa


Juana Inés, a Mulher que muito amou sem ter amado

Quando a segunda revolução industrial, ocorrida na última metade do Séc. XIX, passou a incorporar a mão-de-obra feminina, principalmente nas indústrias têxteis, as condições de trabalho insalubre e extensiva carga horária ficaram mais visíveis e protestos se originaram em todo o mundo, já carregado por inflamadas polêmicas políticas sobre a nova economia. No dia 8 de março de 1857, um movimento de operárias de Nova Iorque foi duramente reprimido. As mulheres revoltosas – que exigiam redução do tempo de trabalho de 16 para dez horas diárias e correções salariais – foram mantidas presas dentro de uma fábrica a seguir incendiada. Cerca de 130 tecelãs morreram carbonizadas.

A ocorrência, lastimável sob todos os ângulos, ficou apenas como registro histórico por mais de 50 anos, quando foi proposta na Dinamarca, em 1910, o seu posicionamento como marco do Dia Internacional da Mulher, que passou a ser comemorado praticamente em todo o mundo. Segundo palavras de Leon Trótski, um dos artífices da fase inicial da revolução russa de 1917, esse dia foi o verdadeiro estopim da revolução: “ Em 23 de fevereiro (8 de março no calendário gregoriano) estavam planejadas ações revolucionárias. Pela manhã, a despeito das diretivas, as operárias têxteis deixaram o trabalho de várias fábricas e enviaram delegadas para solicitarem sustentação da greve. Todas saíram às ruas e a greve foi de massas. Mas não imaginávamos que este ‘dia das mulheres’ viria a inaugurar a revolução”.

Finalmente, em 1975 as Nações Unidas adotaram a data oficialmente, para celebrar as conquistas sociais, políticas e econômicas das mulheres, mas também para recordar as muitas discriminações e violências a que estão ainda sujeitas em várias partes do mundo.

Hoje o Dia Internacional da Mulher gera apenas reportagens especiais nas televisões, artigos nos jornais, discursos políticos nas tribunas, talvez sermões apropriados nos templos. As floriculturas venderão um pouco mais de flores e pronto: cumpridas as missões, esperaremos até o próximo ano para repetirmos as comemorações.

Mas estaremos realmente a refletir sobre o papel da mulher em nossa sociedade, a partir de sua função biológica mais sagrada, que é a de ser mãe de todos nós, e depois companheira de dores e alegrias, mestra das primeiras letras, objetivo quase único dos garotões adolescentes, figura complementar do homem no permanente jogo da vida?

Na sua egolatria, o homem chegou a pensar que a mulher fosse ser sem alma, criada apenas para servi-lo. E muitas mulheres, dentro dessa premissa mesquinha, foram sacrificadas, vilipendiadas, humilhadas. Com certeza, muitas vezes ainda assim são tratadas.

Retaro de Juana Inés de la Cruz – Séc. XVII – Autor desconhecido, assinado J. Sánchez

Por isso, neste cantinho dedicado à Poesia, fomos buscar uma rara mulher e poeta para homenagear a Mulher. Seu nome é Juana Inés de Asbaje y Ramírez de Santillana, entre tantas versões por aí existentes. Alguns a tratam apenas por Juana de Asbaje ou de Asuaje, pois há dúvidas sobre oi seu sobrenome. Popularmente, ela ficou conhecida como Sóror Juana Inés de la Cruz, após ter adotado a vida religiosa, primeiro com as rígidas Carmelitas, depois com as Jerônimas.

Parece evidente que a escolha pela vida do claustro não foi mais que uma proteção buscada em seu mundo barroco do Séc. XVII, na nascente colonização européia do México, entre os vestígios da civilização asteca e as limitações religiosas da sociedade espanhola. Juana teve a sorte de embrenhar-se, desde muito cedo, na leitura. Tinha apenas três anos quando aprendeu a ler e aos seis começou a escrever poemas. Por influxo de seu avô materno, com quem teve um intenso convívio na infância, entrou no reino do conhecimento como leitora voraz, passando a ler os clássicos gregos e romanos e a teologia daquele momento histórico. Aprendeu latim em vinte lições e praticamente sozinha dominou o idioma português, o que a tornou, mais tarde, leitora do padre Antonio Vieira e sua acérrima crítica. Conta-se que, ainda pequena, ficava escondida para ouvir as lições recebidas por sua irmã mais velha. Mas seu primeiro choque cultural foi quando descobriu que somente os homens podiam ingressar nas universidades. Ingenuamente, chegou a pedir para sua mãe que a vestisse com trajes masculinos para que pudesse continuar a estudar.

Por certo, sua adaptação cultural não foi fácil, mas ninguém conseguiu domar sua ânsia pelo saber: “Com a erudição acumulada durante anos de estudo, correspondia-se com os grandes nomes do mundo hispânico, tendo escrito até ao Papa. Sóror Juana escreveu literatura centrada na liberdade, o que era um prodígio naquela época. Em seu poema Hombres Necios ela defende o direito da mulher a ser respeitada como ser humano e critica o sexismo da sociedade do seu tempo, zombando dos homens que condenam a prostituição, ao mesmo tempo em que se aproveitam de sua existência. Além de livros religiosos como a Bíblia, que representavam certamente mais de 90 por cento dos livros que chegavam à América na época, há relatos de que ela possuía obras atípicas para um cidadão da América do século XVII, como escritos de Leibniz, dentre outros”.

“Seu confessor, o jesuíta Antonio Núñez de Miranda, recriminou-a por escrever, trabalho que acreditava ser vedado à mulher, o que, junto com o frequente contato com as mais altas personalidades da época, devido à sua grande fama intelectual, desencadeou a ira deste, diante da qual ela, sob a proteção da vice-rainha, Marquesa de Laguna, decidiu rejeitá-lo como confessor. Essa amizade com as vice-rainhas fica plasmada nos versos que, usando o código do amor cortês, levaram a uma interpretação errônea das mesmas a respeito de certas tendências homossexuais. Às duas que coincidiram temporalmente com ela escreveu poemas bastante inflamados e a uma dedicou um retrato e um anel. Foi precisamente uma das vice-rainhas a primeira a publicar poemas de Sóror Juana.”

Juana de la Cruz foi homenagada em seu país em cédulas de mil pesos. Após reforma monetária, passou a figurar nas notas de 200 pesos.

Ela mesma chegou a confessar assexuação ou androginia, tal devia ser a confusão que os preconceitos e os sentimentos religiosos de culpa lhe causavam na alma:

“Pues  no soy mujer que a alguno

de mujer pueda  servirle

y solo sé que mi cuerpo ,

Sin que a uno u otro se incline

Es neutro, o abstracto, cuanto

sólo el alma deposite”.

“Pois  não sou mulher que a alguém

de mulher possa  servir-lhe

e só sei que meu corpo ,

sem que a um ou outro se incline

é neutro, ou abstrato, quanto

só a alma deposite”.

Apesar das exegeses literárias e psicanalíticas que se fazem, atualmente, sobre sua vida e obra, a leitura de seus poemas torna nítida uma mulher ardente, ansiosa por amar e que tem que sublimar esse amor em fantasias poéticas e, a exemplo de outras religiosas, no amor místico a Deus e a Cristo.

Não foi à toa que escolheu a liberdade para tema de suas reflexões. Uma liberdade que se contrapunha à repressão social que lhe deve ter sido dolorosamente imposta.

A liberdade que a transformou, para os pósteros, na “Fênix Mexicana”, talvez a primeira feminista das Américas.

Amou a liberdade e o amor, sem nunca ter gozado realmente nenhum desses sentimentos em sua plenitude. Mas escreveu versos corajosos e enfrentou as contradições intelectuais, deixando um exemplo de vida de uma mulher que tudo tinha para apagar-se na mediocridade e na mentalidade machista de um tempo ainda com resquícios medievais, mas que ressurgiu do pó levantado pela ignorância.

Fama y Obras Posthumas del Fénix de México, Décima Musa, Poetisa Americana Sor Juana Inés de la Cruz. Biblioteca da Universidade Bielefeld, Alemanha

Com o abraço do Banco da Poesia a todas as mulheres do mundo, publico alguns poemas seus. Os dois sonetos foram extraídos do livro O Amor é mais que um Labirinto, organizado por Germán Dehesa V., múltiplo ativista cultural mexicano, com prólogo de Margo Glantz, professora e escritora mexicana, e publicado pela empresa de telecomunicações Impsat, em 1998 . Traz excelentes ilustrações do artista mexicano Jorge Marín, o que o insere na estante dos livro de arte, de apurado bom gosto. Os sonetos levam os números originais da publicação. Já o poema Hombres Necios foi recolhido na Internet. Como a publicação traz os poemas na língua original, tratei de atrever-me na sua versão ao português. Os organizadores da edição referida atestam que, apesar do muitos contatos que Juana Inés teve, em sua época, com Portugal e com a língua portuguesa, ainda não foi feita “uma tradução da Obra Completa da escritora”. (C. de A.)

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XXVI

¿Vesme, Alcino, que atada a la cadena

de amor, paso en sus hierros aherrojada

mísera esclavitud, desesperada

de libertad y de consuelo ajena?

¿Ves de dolor y angustia el alma llena,

de tan fieros tormentos lastimada

y entre las vivas llamas abrasada

juzgarse por indigna de su pena?

¿Vesme seguir sin alma un desatino

que yo misma condeno por extraño?

¿Vesme derramar sangre en el camino,

siguiendo los vestigios de un engaño?

¿Muy admirado estás? Pues ves, Alcino,

más merece la causa de mi daño.

Vês-me, Alcino, que atada à cadeia

de amor, vivo em seu aço aferrolhada

mísera escravidão, desesperada

de liberdade e de consolo alheia?

Vês de dor e angústia a alma plena,

de tão ferozes tormentos lastimada

e entre as vivas chamas abrasada

julgar-se por indigna de uma pena?

Vês-me seguir sem alma um desatino

que eu devo condenar por inumano?

Vês-me esparramar sangue no destino,

seguindo os vestígios de um engano?

Mui admirado estás? Pois vês, Alcino,

mais merece a causa de meu dano.

IV

Esta tarde, mi bien, cuando te hablaba,

como en tu rostro y tus acciones vía

que con palabras no te persuadía,

que el corazón me vieses deseaba.

Y amor, que mis intentos ayudaba

venció lo que imposible parecía.

pues entre el llanto que el dolor vertía

el corazón deshecho destilaba.

Baste ya de rigores, mi bien, baste:

no te atormenten más celos tiranos

ni el vil recelo tu virtud contraste

con sombras necias, con indicios vanos,

pues ya en líquido humor viste y tocaste

mi corazón deshecho entre tus manos.

Esta tarde, meu bem, quando te falava,

como em teu rosto e tuas ações eu via

que com palavras não te persuadia,

que o coração me visses desejava.

E amor, que meus intentos ajudava

venceu o que impossível parecia.

pois entre o pranto que a dor vertia

o coração desfeito destilava.

Baste já de rigores, meu bem, baste:

não te atormentem mais zelos malsãos

nem vil receio teu puro ser contraste

com sombras néscias, com indícios vãos,

pois já em líquido humor viste e tocaste

meu coração desfeito entre tuas mãos.

Hombres necios

Arguye de inconsecuentes el gusto

y la censura de los hombres que en

las mujeres acusan lo que causan

Hombres necios que acusáis

a la mujer sin razón,

sin ver que sois la ocasión

de lo mismo que culpáis:

si con ansia sin igual

solicitáis su desdén,

¿por qué queréis que obren bien

si las incitáis al mal?

Combatís su resistencia,

y luego con gravedad

decís que fue liviandad

lo que hizo la diligencia.

Queréis con presunción necia

hallar a la que buscáis,

para pretendida, Tais,

y en la posesión, Lucrecia.

¿Qué humor puede ser más raro

que el que falta de consejo,

él mismo empaña el espejo

y siente que no esté claro?

Con el favor y el desdén

tenéis condición igual,

quejándoos, si os tratan mal,

burlándoos, si os quieren bien.

Opinión ninguna gana,

pues la que más se recata,

si no os admite, es ingrata

y si os admite, es liviana.

Siempre tan necios andáis

que con desigual nivel

a una culpáis por cruel

y a otra por fácil culpáis.

¿Pues cómo ha de estar templada

la que vuestro amor pretende,

si la que es ingrata ofende

y la que es fácil enfada?

Mas entre el enfado y pena

que vuestro gusto refiere,

bien haya la que no os quiere

y quejaos enhorabuena.

Dan vuestras amantes penas

a sus libertades alas,

y después de hacerlas malas

las queréis hallar muy buenas.

¿Cuál mayor culpa ha tenido

en una pasión errada,

la que cae de rogada

o el que ruega de caído?

¿O cuál es más de culpar,

aunque cualquiera mal haga:

la que peca por la paga

o el que paga por pecar?

Pues ¿para qué os espantáis

de la culpa que tenéis?

Queredlas cual las hacéis

o hacedlas cual las buscáis.

Dejad de solicitar

y después con más razón

acusaréis la afición

de la que os fuere a rogar.

Bien con muchas armas fundo

que lidia vuestra arrogancia,

pues en promesa e instancia

juntáis diablo, carne y mundo.

Homens néscios

Argúi como inconsequentes o gosto

e a censura dos homens que

nas mulheres acusam o que causam.

Homens néscios que acusais

à mulher sem ter razão,

sem ver que sois a ocasião

do mesmo que vós culpais:

se com ânsia sem igual

solicitais seu desdém,

por que quereis que obrem bem

se as incitais sempre ao mal?

Combateis sua resistência

e logo com gravidade

dizeis que foi leviandade

o que fez a diligência.

Quereis com presunção néscia

achar a que perseguis,

para pretendida, Taís,

e para a posse, Lucrécia.

Que humor pode ser mais raro

que o que falta de conselho

o mesmo que empana o espelho

e sente que não está claro?

Com o favor e o desdém

tendes a condição igual,

queixando-vos, se vos tratam mal,

burlando-vos, se vos tratam bem.

De opinião incongruente

pois a que mais se recata

se não vos admite, é ingrata

se vos admite, é impudente.

Sempre tão néscios andais

que com balança infiel

a uma culpais por cruel

e a outra por fácil culpais.

Pois como há de ser temperada

a que vosso amor pretende

se a que é ingrata ofende

e a fácil vos enfada?

Mas entre o enfado e a pena

que vosso gosto difere

bem haja a que não vos prefere

e queixai-vos em cantilena.

Dão as amantes apenadas

asas a tais liberdades

e enchei-as de bondades

após julgá-las malvadas.

Qual maior culpa há tido

em uma paixão errada

a que cai por ser rogada

ou o que roga por caído?

Ou qual é mais a culpar

com o sinal de uma chaga:

s que peca pela paga

ou o que paga por pecar?

Pois para que vos espantais

da culpa que mereceis?

Querei-as qual as fazeis

ou fazei-as tal as buscais.

Deixai de solicitar

e depois com mais razão

acusareis a aflição

da que os fora a rogar.

Bem com muitas armas fundo

que luta vossa arrogância

pois em promessa e em instância

juntais diabo, carne e mundo.

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Resumo biográfico

1648 (presumivelmente)– Juana Inés Ramírez nasce como filha ilegítima de uma família pobre  da região rural de San Miguel Nepantla, México;

1656 – É mandada para a Cidade do México, parta viver com uma tia do lado materno; aprende Latim;

1664 – Ingressa na Corte, aos 16 anos, em virtude de sua prodigiosa inteligência e por sua beleza física;

1668 – Entre no Convento de San Jerónimo, aos 20 anos,; escreve muitos poemas, peças de teatro, estuda filosofia, música e ciências;

1691 – Escreve a famosa Respuesta a Sor Filotea, pseudônimo de um bispo católico com quem polemizou, defendendo o direito da mulher a estudar e escrever; recebe pressão da hierarquia eclesiástica para abandonar seus estudos;

1694 – Abjura, sob grande pressão, e é forçada a vender seus livros e instrumentos musicais e científicos;

1695 – Uma praga atinge seu convento; ela adquire a doença e morre a 17 de abril, com a idade presumida de 46 anos.

Pixinguinha: 37 anos de ausência

Pixinguinha, no traço de Bruno Venâncio

Hoje se completaram 37 anos da morte de Pixinguinha, vítima de um enfarto, a 17 de fevereiro de 1973.  Se o apelido todo mundo conhece, poucos sabem que seu nome completo era Alfredo da Rocha Vianna Filho e seu apelido misturava Bexiguinha, em razão de ele ter contraído varíola, com Pizin Din, que significaria menino bom ou guloso, em um dialeto africano.

Pixinguinha foi um dos  músicos mais importantes da fase inicial da música popular brasileira. Com um domínio técnico e um dom de improvisação encontrados nos grandes músicos de jazz, é considerado o maior flautista brasileiro de todos os tempos, além de um irreverente arranjador e compositor. Entre suas composições de maior sucesso estão Carinhoso, Lamento e Rosa. Neto de africanos, começou a tocar cavaquinho, depois uma flautinha de folha, acompanhando o pai que era flautista. Aos 12 anos, compôs sua primeira obra, o choro Lata de Leite. Aos 13, gravou seus primeiros discos como componente do conjunto Choro Carioca: São João Debaixo D’Água, Nhonhô em Sarilho e Salve (A Princesa de Cristal). Aos 14, estreou como diretor de harmonia do rancho Paladinos Japoneses e passou a fazer parte do conjunto Trio Suburbano. Aos 15, já tocava profissionalmente em casas noturnas, cassinos, cabarés e teatros. Em 1917, gravou a primeira música de sua autoria, a valsa Rosa, e, em 1918, o choro Sofres Porque Queres. Nessa época, desenvolveu um estilo próprio, que mesclava seu conhecimento teórico com sua origem musical africana e com as polcas, os maxixes e os tanguinhos.

Os Oito Batutas, Pixinguinha no centro com seu saxofone

Aos 20 anos formou o conjunto Os Oito Batutas (flauta, viola, violão, piano, bandolim, cavaquinho, pandeiro e reco-reco). Além de ter sido pioneiro na divulgação da música brasileira no exterior, adaptando para a técnica dos
instrumentos europeus a variedade rítmica produzida por frigideiras, tamborins, cuícas e gogôs, o grupo popularizou instrumentos afro-brasileiros, até então conhecidos apenas nos morros e terreiros de umbanda, e abriu novas possibilidades para os músicos populares. Na década de 1940, sem a mesma embocadura para o uso da flauta e com as mãos trêmulas devido à sua devoção ao uísque, Pixinguinha trocou a flauta pelo saxofone, formando uma dupla com o flautista Benedito Lacerda. Fez uma parceria famosa com Vinícius de Moraes, na trilha sonora do filme Sol sobre a
Lama
, dirigido por Alex Viany, em 1962.

Flautista virtuose e saxofonista, Pixinguinha foi também grande compositor, deixando dezenas de músicas de sua autoria. Mas como arranjador também deixou grande marca na música brasileira. Nos anos 30 e 40 ele foi arranjador para várias gravadoras e inovou, pela primeira vez no País, fazendo arranjos autenticamente brasileiros, substituindo os arranjos em estilo europeu que prevaleciam até então. Entretanto, sua grande composição, pela qual é sempre lembrado, foi Carinhoso, composta em 1932, que se imortalizou com a parceria de Carlos Alberto Ferreira Braga, o Braguinha, que escreveu a letra, em 1937.

Homenageamos São Pixinguinha com a interpretação de Carinhoso por Marisa Monte e Paulinho da Viola.

Parabéns, Vera Lúcia!

Parabéns pelo seu aniversário!

Já transmiti meu abraço eletrônico a Vera Lúcia Kalahari, nossa correntista de Angola/Portugal, que de quando em quando enriquece nosso patrimônio poético. Hoje ela completa mais um ciclo em redor do Sol e da beleza de sua arte e de seu idealismo social. Disse-me que não haveria festa, em razão de uma viagem de trabalho a outro país. Mas que pensaria em seus amigos brasileiros, assim como estamos pensando nela e a enviar-lhe rosas, com desejos de muita luz, paz e amor em sua vida. Em sua homenagem, a nossa melhor forma de abraçá-la, com a publicação de mais um poema seu.

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O pássaro branco

Um pássaro de asas brancas, desdobradas,
anda a dançar na praia…
Há o rumor de ondas desgrenhadas,
há espuma fervente e fria
e silêncio de ventos que não existem.
O barco da minha vida
caravela d’esperança
naufragou naquela praia,
sem mar, só com o cantar doce, amargurado,
do meu pranto.

Esse pássaro que nasceu comigo
não mora numa gaiola,
não nasceu nos verdes bosques,
não é um pássaro de penas.
É um pássaro que canta
nas longas noites sem luz,
um canto de risos e prantos,
um pássaro que agarrei
com mãos trémulas de criança
e d’esperança.
Larguei para que voasse
e cantasse
em todas as almas,
fizesse nelas brotar flores,
estrelas e amores.
O meu pássaro branco…
Bbranco como nuvens esvoaçantes,
como um pássaro tecido de fios de luar…
Fugiu das minhas mãos trémulas de criança
que se fechavam
e procuravam encurralá-lo
em qualquer ninho de amor.
É agora um pássaro triste e desolado…
Um pássaro vagabundo
açoitado por um vento furioso
que o assusta e o arrasta p’ra solidão.
Um pássaro de asas murchas,
roxas como lírios macerados,
como um céu esfarrapado
sem estrelas, sem luar.
Não houve ninhos que o abrigassem
nem mãos trémulas d’esperança que o agarrassem.
De nada serviram meus prantos e minhas dores…
O meu pássaro branco, alvo como nuvens esvoaçantes,
dança na praia que não existe,
a praia da solidão,
ferido de dor e de morte,
curvando as asas brancas
que não são brancas,
largando às ondas e aos ventos, as suas penas.

Vera Lúcia Kalahari