A sempiterna Poesia
Hoje se comemora o Dia Mundial da Poesia, instituído pela Unesco em 16 de Novembro de 1999. O Banco da Poesia também se une às comemorações com excertos de um texto primevo, considerado a mais antiga obra literária da humanidade, a Epopeia de Gilgamesh, igualmente conhecida como Poema de Gilgamesh. Supõem-se que ela tenha sido escrita há mais de 2.500 anos a.C., embora a forma que nos chegou esteja registrada no Séc. VII a.C. São inúmeras tablitas de barro, com escrita cuneiforme, boa parte das quais foram conservadas e possibilitaram a divulgação do texto nas linguagens ocidentais. Existe uma versão em Português, ainda inédita, feita pelo professor Emanuel Bouzon (1933-2006). Muitos trabalhos já foram escritos no Brasil sobre a obra de Gilgamesh, baseadas em versões editadas em outros idiomas.
Gilgamesh foi um rei sumério, cuja vida é semi-lendária, que se tornou conhecido por ser o protagonista da sua Epopeia. Ele teria sido o quinto rei da primeira dinastia de Uruk, que existiu cerca de 2750 a.C. Seu reinado teria durado 126 anos e as lendas que se criaram em torno dele levaram-no a ser considerado uma divindade, cujos feitos influenciaram as sucessivas religiões da região mesopotâmica, inclusive o judaísmo.
Segundo artigo publicado na Wikipédia, existem especulações dos estudiosos sobre a influência da Epopeia de Gilgamesh “sobre textos mais difundidos e conhecidos pela humanidade, como os poemas épicos gregos Ilíada e Odisséia de Homero, escritos entre VIII e VII a.C. A polêmica é ainda maior” quando comparada “às narrativas do Pentateuco, a parte mais antiga do Velho Testamento, datadas do Primeiro Milênio a.C.” Com relação à Bíblia judaica, “além de semelhanças impressionantes,” há clara afinidade com “o próprio contexto histórico e geográfico”, pois não se desconhece “que a origem dos hebreus e das grandes civilizações semitas” é mesclada “com a própria história do povo sumério. Históricos períodos de cativeiro, onde a aculturação era, além de inevitável pelas circunstâncias de sobrevivência, uma forma de dominação ideológica”.
Em seu final, a Epopeia centra-se na dor de Gilgamesh pela morte de Enkidu, um dos personagens principais da obra. Essa emoção o faz seguir um busca compulsiva pela imortalidade. Gilgamesh quer descobrir o segredo da vida eterna e consulta Utnapishtim, o herói imortal do dilúvio. Mas o sábio responde às suas indagações com uma afirmação que até hoje preocupa a humanidade: “A vida que você procura nunca encontrará. Quando os deuses criaram o homem, reservaram-lhe a morte, porém mantiveram a vida para sua própria posse.”
Fragmentos da Epopeia de Gilgamesh
“A deusa então concebeu em sua mente uma imagem cuja essência era a mesma de Anu, o deus do firmamento. Ela mergulhou as mãos na água e tomou um pedaço de barro; ela o deixou cair na selva, e assim foi criado o nobre Enkidu.”
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“Ele era inocente a respeito do homem e nada conhecia do cultivo da terra. Enkidu comia grama nas colinas junto com as gazelas e rondava os poços de água com os animais da floresta; junto com os rebanhos de animais de caça, ele se alegrava com a água.”
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“Enkidu perdera sua força pois agora tinha o conhecimento dentro de si, e os pensamentos do homem ocupavam seu coração.”
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“… tu, um mercenário, que depende do trabalho para obter teu pão!”
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“Naqueles dias a terra fervilhava, os homens multiplicavam-se e o mundo bramia como um touro selvagem. Este tumulto despertou o grande deus. Enlil ouviu o alvoroço e disse aos deuses reunidos em conselho: ‘O alvoroço dos humanos é intolerável, e o sono já não é mais possível por causa da balbúrdia.’ Os deuses então concordaram em exterminar a raça humana.”
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“Viu o Senhor que a maldade do homem se havia multiplicado na terra, e que era continuamente mau todo desígnio do seu coração”.
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“… põe abaixo tua casa e constrói um barco. Abandona tuas posses e busca tua vida preservar; despreza os bens materiais e busca tua alma salvar. Põe abaixo tua casa, eu te digo, e constrói um barco. Eis as medidas da embarcação que deverás construir: que a boca extrema da nave tenha o mesmo tamanho que seu comprimento, que seu convés seja coberto, tal como a abóbada celeste cobre o abismo; leva então para o barco a semente de todas as criaturas vivas. (…) Eu carreguei o interior da nave com tudo o que eu tinha de ouro e de coisas vivas: minha família, meus parentes, os animais do campo – os domesticados e os selvagens – e todos os artesãos.”
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São claras as semelhanças entres textos sumérios e as narrativas da Gênese bíblica, principalmente quando se referem ao dilúvio universal, a indicar que, muitas vezes, a poesia, sempre repleta de sonhos humanos, é mais consistente que a própria história, ou, em outras palavras, a História sempre se aferrará à materialidade dos fatos, enquanto a Poesia tem o poder de, sem perder sua magia, tornar-se registro factual para muitas culturas. (C. de A.)
Existe algum Livro com a epopéia completa?