Arquivo do dia: 4 de outubro de 2011

Mais um Pessoa português

Um poeta português de hoje, a mim aprsentado por meu amigo João Defreitas: Joaquim Pessoa. Ele nasceu em Barreiro (na foz do Tejo, em frente a Lisboa) em 1948. Iniciou a sua carreira no Suplemento Literário Juvenil do Diário de Lisboa. Seu primeiro livro foi editado em 1975 e, até hoje, publicou mais de vinte obras incluindo duas antologias. Foram lhe atribuídos os prêmios literários da Associação Portuguesa de Escritores e da Secretaria de Estado da Cultura (Prêmio de Poesia de 1981), o Prêmio de Literatura António Nobre e o Prêmio Cidade de Almada. Poeta, publicitário e pintor, é uma das vozes mais destacadas da poesia portuguesa do pós 25 de Abril, sendo considerado um “renovador” nesta área. O amor e a denúncia social são uma constante nas suas obras e, segundo David Mourão Ferreira, é um dos atuais poetas progressistas naturalmente de capazes de comunicar com um grande público.Para os leitores do Banco da Poesia, três poemas do novo Pessoa português.

O Cão da Tristeza

O cão da tristeza está aqui.
Aqui, sem alma, ferrado no meu espanto.
Puxando as verdes charruas do meu pranto
lavrando a dor cinzenta do meu povo.

O cão da tristeza está aqui.
No giz do meu lume, na fogueira acesa
que queima a minha casa, destrói a minha mesa
e magoa o meu sangue e a minha voz.

o cão da tristeza está aqui.
No açaime do medo que nos cala
na sombra do punhal, no frio da bala
apontada ao coração da nossa esperança.

Canção de estar em terra

Da sede meu amor farei um barco.
Uma vela no porto. E ao vê-la perto
eu direi meu amor que por ti parto
e fico e firo e faço e sigo e ardo.

Direi a rosa o cravo o trevo o cardo.
Darei o corpo, amor. Direi um astro.
Ai flor de quem está farto farto farto
de rimar contra a maré em pinho incerto.

Que mais direi amor? Eu que maldigo
eu que mal amo as coisas conquistadas
que mais direi? Anéis corais espadas?
Já mal me há-de bastar o que eu não digo.

É aqui, de bruços sobre a espuma
que o mar nos causa a dor de estar em terra.
E as palavras nos doem uma a uma.
E os homens em Lisboa fazem guerra.

Palavras

Vi trigo            vi fome
vi ferros           vi feras
vi ruas              vi nomes
vi grades          vi esperas

vi armas           vi muros
vi lutas             vi mortes
vi surdos          vi mudos
vi fracos           vi fortes

vi mares           vi terras
vi negros          vi servos
vi fardas           vi guerras
vi balas             vi nervos

vi corpos           vi cardos
vi fama             vi glória
vi punhos         vi cravos
vitória               vitória

vi abril              vi povo
vi rosto             vi espanto
vi nosso            vi novo
vi pouco           vi tanto

tão cedo           tão cedro
tão certo           tão perto
tão raiva           tão medo
tão mar            tão deserto

tão lua              tão leve
tão pobre         tão pouco
tão fúria           tão febre
tão longe          tão louco

tão alto             tão erva
tão raso            tão resto
conversa           conserva
tão lento           tão lesto

tão urze            tão hoje
tão zero            tão tojo
tão fica             tão foge
tão ontem        tão nojo

tão mata          tão morra
tão égua           tão água
tão pinho         tão porra
tão merda        tão mágoa

Ilustrações: c. de assis