Pois é. A sonhada Copa do Mundo está em seu final. E prova que, em matéria de reboliço nacional, é mais forte que carnaval e eleição. Pois a festa do real início de ano brasileiro dura apenas quatro ou cinco dias, uma semana para os mais exagerados. E eleição é aquilo que sabemos: entusiasmo pouco, inteligência nenhuma. Já a copa, é um mês inteiro de folga. Quando os nossos Zagalos e Dungas escolhem uma seleção, é um Deus nos acuda. Todo mundo dá palpite, exigindo melhor estrutura. Tira esse, põe aquele, assim o Brasil vai perder, onde já se viu? Mas na copa da democracia (como seria bonito levantar a sua taça, com verdadeiro orgulho nacional, de quatro em quatro anos!) os técnicos da política escolhem quem bem lhes aprouver, aparece jogador que nunca calçou chuteira e nem sabe que uma bola é redonda e cheia de ar, e lá vamos nós às urnas, obrigatoriamente, votar em quem não merece. Puro masoquismo, só para podermos falar mal dos eleitos no próximo quatriênio?
Mas a Copa tem seus efeitos benéficos, pelo menos para o mundo da propaganda, no qual as multinacionais se vestem de verde e amarelo e são mais brasileiras que o Zé da Silva. Nunca se vende tanta bandeira e tanta patriotada. Diz-me a voz: “Miséria enfeitada”. E é isso mesmo, já que a festa futebolística ajuda a esconder nossas mazelas. Jamais perdoaremos um técnico que não leve a seleção ou qualquer time de várzea ao final vitorioso, mas tratamos com leniência os jogadores da Assembléia Legislativa, os juízes corruptos dos tribunais reais, os técnicos que dizem governar para um Brasil de Todos e só se preocupam com o time mais íntimo. Juiz de futebol que apita mal é ladrão e tem mãe de má conduta; governante que realmente rouba… ora, deixa pra lá…
Escrevo isso enquanto o Brasil se prepara para enfrentar a Holanda e tentar chegar à final. Já há menos movimento nas ruas, porque dia de jogo é feriado. Ouvi de um vendedor de telefones que as vendas caíram verticalmente durante a Copa. O dono de uma panificadora me disse que seu movimento baixou em 10%, que é o valor de sua folha de pagamento. Sempre ouvi história sobre a queda de produção na cidade de São Paulo, nas segundas-feiras, quando o Corinthians perde no domingo. No Brasil inteiro é a mesma coisa. Durante a Copa, mesmo ganhando,
brasileiro não trabalha
porque o trabalho atrapalha
toda a efusão do esporte.
E o Brasil, de sul a norte
em todos os seus quadrantes
só faz silêncio em instantes
de gol da outra equipe.
Com chuva e até com gripe
brasileiro vai à luta
mas luta sem produção.
Porque, afinal,
o BRASIL… IL… IL… IL… IL !…
é campeão.
Mas como este blog é de poesia e não de lamúrias políticas ou esportivas, vamos recorrer ao nosso correntista de Quedas do Iguaçu, Solivan Brugnara, para encaixar o futebol no mundo das musas.
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Esportes
Futebol europeu
Solivan Brugnara, Quedas do Iguaçu/PR
O brasileiro Noite
recebeu a bola no peito
dominou com acrobacias.
Correu.
Músculos magníficos
cobertos por uma pele cor do universo.
O pé regeu,
pastoreou a bola.
Samba, ginga de mestre-sala
entre miúras.
E chutou com telecinésia.
O que dividiu a multidão
em agonia e êxtase.
O grito das torcidas orientais
Para atingir a perfeição,
precisamos ter muitos defeitos.
Concentração é uma venda.
Tanto o carcereiro quanto
o cativo são prisioneiros.
Determinação
é uma intransigência maleável.
Verdades absolutas mentem.
De Jornal de Domingo, em Encantador de Serpentes, 2007
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