Mendigo
Vera Lúcia Kalahari, Portugal/Angola
Um dia, a miséria
Esfarrapada, amargurada,
Veio bater-me à porta.
Vinha de longe
Em trajes de mendigo.
Nos seus trapos,
No seu alforge,
No seu bordão,
Trazia o traço da fome
E da desdita.
Veio de manso,
Humildemente,
Como um cão escorraçado
Pedir-me esmola.
Não lhe dei nada…
Nesse dia,
Um desses dias pesados,
Atarefados,
Não tinha mãos.
Estava tão ocupada…
Mais tarde, senti vergonha
Daqueles olhos cansados,
Atormentados.
Um dia,
Esta porta que se fechou
À miséria faminta,
Fechar-se-á também para mim.
Já sem vestes de senhora,
Sem trabalhos nem canseiras,
Não estarei enfadada, preocupada.
Terei também o meu bordão
E o meu traje de miséria.
Procurarei esse mendigo
E iremos então os dois
Por todas as ruas,
Batendo em cada porta,
Com o sol ardente a aquecer-nos
Pedindo que cada um
Nos abra o seu coração.
às vezes eu invejo a liberdade dos mendigos… também fico tentada a segui-los.
Beijo