Arquivo do dia: 8 de abril de 2010

Minas pede a palavra: fala o poeta Flávio Otávio Ferreira

Flávio Otávio Ferreira nasceu em outubro de 1980, em João Monlevade. Mas ele se considera um belavistano (de Bela Vista, também MG). É graduado em Letras pelo Centro Universitário de Araxá, cidade na qual reside atualmente. Tem  poemas publicados em várias antologias. Em 2005, lançou, pela Litteris Editora, o seu livro de estreia Cata-ventos, o destino de uma poesia, que participou da 12ª Bienal Internacional do Livro do Rio de Janeiro. Em 2007, foi contemplado com a 2ª colocação no I Prêmio Solar de Literatura João Monlevade 43 anos, com o texto Poema Insano. Ainda em 2007, obteve a 3ª colocação no 7º Concurso Estadual de Contos promovido pelo Clesi – Clube dos Escritores de Ipatinga, com o conto  A Mutação.  Em 2009, publicou o livro Itinerário Fragmentado, pelo selo Quártica Premium da Litteris Editora, lançado na 14ª Bienal Internacional do Livro do Rio de Janeiro. Seus textos podem ser lidos nos blogs Misantropia , Manufatura (todo dia 7 do mês) e Poema Dia (todo dia 19 do mês).

Nossas boas vindas ao novo correntista do Banco da Poesia.

Recado ao Poeta

Flávio Otávio Ferreira

A morte me assombra o sono,
Deveras, ainda vivo em sonho.
No peito entreaberto
Mal cabe o coração palpitante.
A alma, em frangalhos,
Se vê partida por mil adagas
E, em desespero,
choro em um quarto escuro.

Pobre poeta!
Por que te envenenas em versos?
Quais os objetos de tuas conjecturas?
Que olhos? Que boca? Que sorrisos?
Há na distância das noites estelares
O brilho que se apaga nas horas escuras?
Há na ausência que te move
O tato a tocar de leve em nuvens?

Pobre poeta!
Por que não mergulhas no Ganges,
No Sena, no Reno, no Tietê, no Piracicaba?
Se joga do alto da ponte
Submerge nas águas turvas
E some, consome esses versos
Leva embora estes sonhos que te sufocam.
Por que se perder em amores vãos
Se tens mais a viver para ti?
Exorciza em teu pobre peito
O que o tempo, inexpressivo,
Não pode apagar.
Arranca-lhe o coração
E joga às aves de rapina
Que te espreitam ao longe.

Pobre poeta!
Escolhestes o lado errado da estrada!
Escolhestes o pior dos desertos!
Enquanto buscares na poesia o teu consolo
Terás apenas o desfavor dos versos
Que se amontoam em escombros.
Ruínas que se erguem vertiginosamente
Em teu peito enfurecido.
Logrará, contigo, pobre destino
E, talvez, um dia, tuas próprias mãos
Consigam limpar o sangue
Que jorra em torrentes
Nestas pautas encardidas.

Loucura e silêncio

Não fosse esta loucura
serias mais que abstração nesta linguagem de ícones
que se movem como formigas gigantescas
a carregar consigo as lembranças.
Não fosse este silêncio
regressarias de tuas viagens, mesmo com ressaca de viver
ou tédio a corroer tuas esperanças que em vão
se movem como ratos a remexer latas na dispensa.
Não fosse esta loucura
estarias presente em meu cubículo a bater-me na cara,
coagindo-me a dizer mentiras que te agradam,
apenas para salvar-te da névoa que encobre teu rosto.
Não fosse este silêncio
viria possuir-me o teu espírito em noites sem lua
em tempos de mistério e sombra, simplesmente
pra fazer gracejos e brincar sobre meu corpo quente.
Não fosse esta loucura
não serias só palavras rabiscadas por mãos trêmulas
em muros carcomidos, onde a alvura da cal
não esconde os desfavores do tempo.
Não fosse este silêncio
não terias ido embora pra longe destes olhos
deixando a este louco apenas o consolo
de versos obscenos no espelho do banheiro.
Mas, terias me libertado.
Desatando os nós que nos envolvem;
quebrando este silêncio que devora
as entranhas sufocando em nós o ânimo.
Quebraria este espelho que revela
a nossos olhos as misérias
a que nos condenamos;
Romperia o cordão que injeta em nós venenos.
Abortaria, pois, este desvanecimento
que nos rouba lentamente um do outro,
tornando loucura a tudo que um dia
dissemos querer da vida.

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Ilustrações: Cleto de Assis

Veredas de Alfonsina

Tu dulzura

Alfonsina Stormi

Camino lentamente por la senda de acacias,
me perfuman las manos sus pétalos de nieve,
mis cabellos se inquietan bajo céfiro leve
y el alma es como espuma de las aristocracias.

Genio bueno: este día conmigo te congracias,
apenas un suspiro me torna eterna y breve…
¿Voy a volar acaso ya que el alma se mueve?
En mis pies cobran alas y danzan las tres Gracias.

Es que anoche tus manos, en mis manos de fuego,
dieron tantas dulzuras a mi sangre, que luego,
llenóseme la boca de mieles perfumadas.

Tan frescas que en la limpia madrugada de Estío
mucho temo volverme corriendo al caserío
prendidas en mis labios mariposas doradas.

Tua doçura

Lentamente caminho por sendas de flores,
me perfumam as mãos suas pétalas de neve,
meus cabelos se inquietam sob zéfiro leve
e a alma se enleva, sem dor, sem temores.

Gênio bom: este dia comigo congraças,
apenas um suspiro me faz eterna e breve…
Vou voar acaso já com a alma tão leve?
Em meus pés nascem asas e dançam as três Graças.

É que ontem tuas mãos, em minhas mãos de fogo,
deram tantas doçuras a meu sangue, que logo
senti em minha boca delícias perfumadas.

Tão frescas que na limpa madrugada de Estio
muito temo voltar correndo ao casario
presas em meus lábios borboletas douradas.

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Versão/ilustração: Cleto de Assis

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