Aos combatentes de todo o mundo/Vera Lúcia Kalahari
Àqueles
cujos olhos se erguem confiantes fitando sem medo
os reinos distantes da morte,
eu venho… Com a aurora esperançosa
dos meus olhos luminosos de crente
envolvê-los
em mantos radiosos de amor.
Àqueles
de cujo peito uma onda de amargor
se espalha cruelmente,
àqueles
que procuram paz
através de nuvens de pó e trevas
levantando as mãos aos céus
numa prece a um Deus, seja ele qual for,
eu dou os meus sonhos:
todo um bosque em flor.
Àqueles
que são menos do que ovelhas
seguindo sem pastor,
que estão sentados
mirando o ar sem fazer nada,
como sacerdotes a recordar
o drama da redenção.
Àqueles que têm coração,
têm olhos florescendo
como um garoto
e lábios trementes
a ensaiar
um sorriso esperançoso,
eu dou a minha alma,
aberta como os pórticos duma catedral,
onde vós todos, homens,
amados e não amados,
conhecidos, desconhecidos,
desfilareis cantando,
bandeiras multicores
passando lado a lado,
brilhando sob as cores de mil arco-íris diferentes,
jogando fora as cargas dos canhões,
no olhar levando a alegria duma aurora,
Cabeças erguidas de entusiasmo e orgulho,
sãos e salvos
na senda dos vossos lares.
Vera Lúcia
Vera Lúcia…, que belo poema!
Essa é a missão da poesia: inundar o mundo com as dimensões fraternas da beleza. Sua missão primordial e inabalável, num mundo dominado pelo desamor e a desesperança. Ainda que seja com a magia das metáforas, quem pode oferecer “todo um bosque em flor” a não ser com o despojamento da poesia
Quem pode abrir a alma como “os pórticos de uma catedral, senão os santos e os poetas. E, tal como os santos, os poetas não esperam nada…, além da esperança. Seus versos são seus gestos que “desfilam cantando” pelas indiferentes passarelas do mundo, acenando aos homens com a perseverante crença no encanto e na expectativa da beleza, porque sempre “levam no olhar a alegria de uma aurora”.
Suas almas são suas próprias “bandeiras multicores” desfraldadas em nome da solidariedade.
Assim são os poetas. Porque os poetas só sabem dar, e essa é a sua fortuna. Sua forma de receber. Esse é o seu mais belo diálogo com o mundo. A sublimação da sua finitude e o dia a dia da sua imortalidade.