De todas as cores, parece-me ser o azul o que mais habita os sonhos dos poetas. Confunde-se com a imensa paz cerúlea, com o misterioso índigo das águas, com as safiras líquidas que dão brilho a olhos tristes. “Azuis os montes que estão longe param”, via Pessoa na paisagem campestre. Ou, ainda:
O céu, azul de luz quieta.
As ondas brandas a quebrar,
Na praia lúcida e completa —
Pontos de dedos a brincar.
Dois poetas, já correntistas do Banco da Poesia, retiram de suas paletas verbais azuis intensos: José Dias Egipto, do Porto, Portugal (ver outros azuis seus aqui) e Solivan Brugnara, de Quedas do Iguaçu, Brasil. Ambos próximos a águas famosas.
A Azul Cendal dos Sentidos / José Dias Egipto
Não basta ser grão,
semente apenas plantada
luz parada
que espera o clarão.
É preciso agitar
os ventos e as nuivens,
chover e molhar,
soprar no chão da razão.
Não é parada que
a centelha aquece…
Não há beleza estagnada,
nem sequer amanhece
se o sol não se excita…
Tem de haver ritmo,
pulsão,
gravidez na matéria,
pão,
para nascer o espírito
nas águas das manhãs.
Tem de haver dor,
movimento,
um constante ferver
do entendimento,
para crescer o amor
em nossas mãos!
Libélula Azul / Solivan Brugnara
Canto com um azul
da melopéia concreta
a libélula azul,
brilho azul,
reverberações azuis metálicas
de peixe azul prateado
azul, azul, azul
no seu exoesqueleto
as cintilações
têm um tilintar azul.
Luz azul
Luz azul
Passa num assobio azul
libélula azul,
cavalo de fada,
broche de safira no vento.
Libélula azul
que enfeita a boca do camaleão
na minha,
quando mastigo tuas sílabas
com um gosto
azul-amargo metálico de âmago,
deixa um persistente
hálito de libélula azul.
Logopéia azul
penso, logo não existo
que existir é coisa concreta
você apenas sente
libélula
e existe um pouco mais.
O osso não pensa, não sente
ele existe, mais que nós
dois juntos.
Libélula,
quando eu for ossos
passo a existir libélula,
quando minhas substâncias
mesclarem-se ao planeta
e moverem-se somente pelos dedos
das leis da física,
libélula
esses dedos musicais
são única parte que conhecemos
do corpo de Deus,
libélula.
Fanopéia,
e se meu indicador
fosse azul, seria sua fêmea,
libélula azul
e se as minhas cordas vocais fossem de cristal
e cantassem como pássaro,
uma única nota vibrante longa e aguda,
e a respiração tivesse
sonoridade de água corrente
pousaria no meu peito
sobre
o meu coração de pedra
coberto de musgos
pousaria nele, libélula?
Quero
porque toda a pedra em que pousa
vira adjetivo, libélula azul.