Arquivo do dia: 2 de dezembro de 2009

Marilda Confortin convida

Perdi ontem. Mas hoje e amanhã tem mais.

Erly Welton quase apocalíptico

Poema feito e refeito

Erly Welton Ricci


Será necessária a queda do sol
Marte explodindo sobre new york
Chuva de pedras da lua

Serão necessários mares fervendo
O gelo dos árticos encobrindo céus
Esfoliação da pele dos ritos

Será necessário o sangue nas gruas
A merda espalhada nos condomínios
A praga de mil bestas rugindo

Será necessário plastificar o dia
A unanimidade do grito no escuro
Queimar as florestas nos meses pares

Serão necessárias moendas de carne
Gases venenosos na superfície
Baixar a cognição ao zero

Será necessária a acidez dos planos
Satanizar deuses e gênios
Tornar cinza todo amarelo

Será necessário uivar novamente
Estriquinina jogada na fonte
Sacrificar todo ente in vitro

Será necessário copiar os ossos
Desfragmentar portas e janelas
Ferir a noite permanentemente

Será necessária a massa dos muros
O inferno que faz suar muitos sonhos
Acumular dejetos na mesa

Será necessário inventar tantos mitos
Comer a alma atirada na lida
A filosofia do ouro e do sal

Serão necessários caminhos tortos
Pedra na fronte e no sapato
Transpor palavras com subescrituras

Serão necessárias as dores alheias
Ouvir o ruído da fome e da sede
Incendiar cidades e aldeias

Serão necessários alguns anos ainda
Engravidar a mulher do próximo
O sangue vulcânico nas veias

Será necessário um punhal no pescoço
Mais de três bailarinas nuas
Fumar raiz de jurema

Será necessário risível piedade
muito gás carbônico na veia
auras cheias de escamas

Será necessário cancelar as lendas
a mente enredada na teia
para criar novo plano

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Ilustração: C. de A.

A festa de Aramis

Marilene e Francisco Millarch, os anfitriões da festa e guardiões do precioso acervo de Aramis

Compareci ao evento de lançamento dos DVDs com entrevistas gravadas por Aramis Millarch ao longo de sua intensa carreira de investigador do fato cultural e de personalidades que produzem cultura (ver post abaixo). De certa forma, além de marcar um momento de intensa saudade de nosso amigo querido, o encontro foi como uma reunião ampliada das muitas que Aramis promovia, em sua residência ou no estúdio da rua 24 de maio, onde os ambientes foram batizados com nomes de personalidades escolhidas por seu coração. Marilene – sempre atenta ao trabalho de seu marido e gentil com os convidados –, e Francisco – que, desde cedo, acompanhou, com orgulho, a incessante caça de seu pai por pessoas e fatos que rodeavam as atividades culturais– comandaram a reunião, levada a efeito no pequeno auditório da Universidade Positivo.

Como nas antigas tertúlias, lá encontrei muitos amigos e conversamos fartamente sobre nosso companheiro comum. A mesa redonda programada foi transformda em uma sessão de depoimentos elogiosos à figura do homenageado. Nenhuma polêmica, uma única grande concordância: Aramis faz falta, ninguém ainda conseguiu substituí-lo na imprensa do Paraná, com aquele seu vigor, sua curiosidade, sua maneira otimista de ver a vida e os protagonistas de seus textos, apesar da visível ansiedade interior que também o marcava. Acertei, pois, no meu breve texto de ontem, quando dele lembrei exatamente sob o ângulo do Aramis insubstituível.

Hemínio Bello de Carvalho não veio a Curitiba. Na véspera, comunicou a Francisco que seu pavor pelas máquinas voadoras vencera a vontade de estar aqui para homenagear seu grande amigo. Mas a mesa estava poderosa: Maí Nascimento Mendonça, jornalista (e minha companheira em uma primeira mesa redonda realizada no Solar do Rosário, há alguns anos – juntamente com Dante Mendonça, seu marido, e Aroldo Murá Haygert – também sobre Aramis);  Elói Zanetti, publicitário, que lembrou o longo período em que ambos fizeram um programa inesquecível da rádio Ouro Verde, o famoso Domingo sem Futebol; Constantino Viaro, um dos primeiros a conhecer o Aramis jornalista, desde o dia em que ele foi contratado pelo jornal O Estado do Paraná, então com sua redação dirigida pelo também saudoso João Dedeus Freitas Neto, e Marden Machado, crítico de cinema, que eu ainda não conhecia, pois sua migração do Nordeste para Curitiba ocorreu em uma época em que eu estava ao desabrigo da sombra dos pinheirais. Marden recordou os esparsos mas assíduos encontros com Aramis nos festivais de cinema por este Brasil afora e, não sem tristeza, lembrou que sua vinda para Curitiba ocorreu exatamente no ano em que Aramis nos deixou, privando-os de um contato mais constante. Francisco interpolou comentários afetivos, comprovando ou acrescentando  detalhes aos depoimentos dos participantes da mesa.

A coleção: valeu a pena Aramis Millarch ter conversado com tanta gente

O material apresentado  é de primeiríssima qualidade. Ao amontoar dezenas, centenas de fitas de áudio e vídeo, ao lado, por cima e por baixo dos milhares de textos e publicações colecionados, Aramis talvez não imaginasse que seu trabalho teria um suporte tão bem acabado. São oito DVDs (portanto, horas e horas de gravação) com entrevistas e depoimentos de muita gente boa já falecida ou ainda atuante na vida cultural e social brasileira. Uma verdadeira relíquia, digna do talento e da tenacidade de Aramis, o segundo filhote do trabalho de preservação tomado pelas rédeas por sua família, uma vez que o poder público ainda não reconheceu devidamente a obra meritória de Aramis Millarch.(O primeiro rebento é o excelente site em sua homenagem, que preserva o seu valioso acervo, também obra de Francisco e Marilene: o Tablóide Digital , que lembra a coluna assinada por Aramis, durante muitos anos, n’O Estado do Paraná.)

Um pequeno livro encima a coleção, com projeto gráfico de Oscar Reisntein e direção de Arte de Oswaldo Miranda (Miran) E não podemos esquecer da ficha técnica completa, como fazia Aramis ao comentar os filmes que via e aconselhava. Além dos já mencionados, registra-se:

Organizadores
Samuel Ferrari Lago
Luiz Antonio Ferreira
Rodrigo Barros Homem d’El Rei

Equipe
Coordenação: Samuel Ferrari Lago
Fotos e ilustrações: Acervo Família Millarch
Fotos equipe: Paulo Lago
Revisão: Renata Sklaski
Consultoria: Francisco Millarch

Foi uma festa para se guardar no lado esquerdo do peito, como costumava dizer Aramis, assumindo os versos de Fernando Brant, musicados por Milton Nascimento.

Por último, a recordação da última foto que tiramos juntos. Foi em Brasília, em frente ao Kubitschek Plaza Hotel, quando fui visitá-lo, junto com Teresa e Pablo, por ocasião de uma de suas idas ao Festival de Cinema. Não lembro o ano exato,  mas ambos estávamos mais magros e menos grisalhos. Com certeza, no século passado…

A última foto