A próxima atração: João Manuel Simões

As eventuais e temporárias separações nos espaços de nossas vidas têm suas compensações. Uma delas é a alegria do reencontro com amigos com os quais interrompemos a comunicação pessoal por largo tempo. Na semana que passou recebi um telefonema de uma dessas pessoas, que não confiou, em um primeiro momento, em minha memória e em meu afeto pelo reaparecido. Tentou desdobrar indícios de nossos encontros há cerca de quarenta anos para reavivar minha lembrança. Não foram necessárias as primeiras palavras tímidas que significavam “lembra de mim?”; jamais o esqueci ou deixei de admirá-lo, já que seu brilho literário sempre me dava notícias de suas constantes conquistas no mundo da palavra.

JMSRefiro-me ao meu amigo João Manuel Simões, luso-brasileiro que, à maneira de Cabral, também descobriu o Brasil na expedição de seu pai e escolheu este porto para ancorar definitivamente o navio de sua vida. Após palavras crismáticas de reafirmação de amizade e planos de próximos encontros ao vivo e em cores, a surpresa de receber, dia depois, exemplares de sua mais recente obra literária, com ensaios, contos e poesia.

Estou lendo os livros enviados e farei uma seleção de poemas para publicá-los em breve, apesar de já saber que o nosso escritor e poeta ainda é avesso à palavra eletrônica. Mas, sem dúvida alguma, seus escritos honrarão o Banco da Poesia. Muito obrigado, João Manuel Simões. Como seu também conterrâneo Fernando Pessoa costumava fazer, vamos revisitá-lo literariamente.

Aguardem as próximas atrações. Enquanto isso não ocorre, vai aí um poema antigo, publicado na revista Forma, em 1966, com a ilustração original. E emprestei dos arquivos de nosso saudoso Aramis Milharch o texto que segue, à guisa de apresentação.

JOÃO MANOEL SIMÕES é um exemplo de intelectual que trabalha a sua obra. Ensaísta, contista e, especialmente, poeta, desde 1959 vem publicando seus livros. E ao lado de premiações importantes, os livros de Simões têm merecido justos elogios de críticos e scholars na área da literatura. Na semana passada, por exemplo, Simões recebeu uma carta enaltecedora de Carlos Drummond de Andrade, a propósito de seu Sonetos  do Tempo Incerto ao lado de dois recortes que deixaram o bom Simões “simplesmente encantado e boquiaberto”. Um contendo um artigo de Dom Alberto Galdencio Ramos, arcebispo de Belém do Pará e presidente da Academia Paraense de Letras, focalizando entusiasticamente o ensaio Virgílio e Camões: Duas presenças Vivas, a mais recente obra do JMS. O outro, contendo um artigo do crítico Tito Filho, presidente da Academia Piauense de Letras no “Jornal do Piauí”, onde, além de frases do mesmo teor, diz o seguinte: “Sonetos  do Tempo Incerto: repositório de verdadeiras obras-primas feitas com sensibilidade, emoção e extraordinário poder criativo. A literatura paranaense a cada dia se enriquece com as produções espirituais desse poeta de linguagem pura, com sabedoria comunicativa. Gosto dos seus gestos artísticos, da forma literária dos seus versos magníficos, uns líricos, outros filosóficos, aqui e ali quatorze linhas de segura crítica, de inteligência notável. A poesia de João Manuel Simões é magistério.” Para completar, acaba de sair na revista de letras da Universidade Federal do Paraná um ensaio da professora Miguelina Soifer sobre a sua obra poética, com o título de O Estilo do Indizível.

O texto de Aramis Millarch foi publicado originalmente no Almanaque doEstado do Paraná, seção Tablóide, em 31/01/1982.

Completamos com informação retirada de um dos livros de JMS.

João Manuel Simões, brasileiro nascido em Portugal, filho de pai beirão, de Mortágua, e mãe paraense, de Belém, é autor de cerca de meia centena de livros de poesia, crítica, ensaios, contos, crônicas e pensamentos. Proferiu palestras e conferências e obteve diversos prêmios,entre os quais o Fernando Chinaglia, da União Brasileira de Escritores, em o livro Suma Poética.É membro da Academia Paranaense de Letras, do Centro de Letras do Paraná, do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná e do Círculo de Estudos Bandeirantes.

Cântico de Guerra

xxxxxxxxJoão Manuel Simões

Ilustração: C. de A. - 1966

Ilustração: C. de A. - 1966

Rufam tambores na planície verde
Onde os cadáveres grávidos de sangue em silêncio
Desabrocham.

Sós, com as flâmulas erguidas,
Caminhamos dentro da larga noite de basalto.
Astros existem para lá de nós,
Sonhos palpitam além do eco ensurdecido dos passos
Que escrevem na terra o segredo terrível
Do nosso itinerário absurdo.    .
Buscamos algo na penumbra indecisa
Que se estende ao longe,
Erguendo cada vez mais alto
As flâmulas.
Sós, com o rastro anônimo que deixamos sobre
Os longos caminhos que nos trazem onde
O câncer da náusea se avoluma.

Rufam tambores na. planície verde.

Quem disse paz quando os canhões clamaram?
Quem disse paz enquanto as bombas desenhavam
Lírios de fogo e sangue e morte no horizonte azul?
Sós cada vez mais sós, com as flâmulas
Cada vez mais altas,
Esquecidos para sempre de que o sonho existe,
Inútil, áspera ficção de bárbaros.
Sós, sim, com as flâmulas
Rasgadas.

Enfiemos, irmãos, as baionetas cúmplices,
Na bainha sangrenta do remorso.
E choremos,
Choremos todos porque as rosas brancas do Vietnã
Estão florindo cada vez mais rubras.

3 Respostas para “A próxima atração: João Manuel Simões

  1. Manoel de Andrade

    Que bom te ver por aqui, caro Simões. Partilhamos nosso lírico protesto nas páginas da saudosa Revista Forma em 1966, e agora releio este teu belíssimo Cântico de Guerra, tua flâmula erguida ante a unânime indignação que uniu o mundo e a poesia contra a Guerra do Vietnan

  2. A guerra foi , é e será sempre um motivo de inspiração dolorosa para todos os que têm a capacidade de compreender o que ela representa para os povos.
    É o desmembramento total das famílias, o desmoronar de todos os sonhos, os amanheceres sem cor, a escuridão das noites sem fim, a perda prematura das infâncias, o deixar de acreditar nos homens e em Deus, e até, sim, até isso, a morte de todos os ideais, dos nossos Credos, das nossas esperanças e dos nossos amores.
    Batemo-nos pela liberdade, batemo-nos pela justiça, mas quando as guerras acontecem, interrogamo-nos se seria necessário chegar-se tão longe para que esses objectivos fossem cumpridos.
    Ninguém ficou indiferente à guerra do Vietnam . Mas hoje, a guerra, vista de mais perto, porque nos entra pela casa dentro através da televisão, é vivida, pela maioria dos povos, com uma indiferença constrangedora e , direi mesmo, aterradora, porque acontecem longe… Ninguém pensa, ninguém, que o longe, em qualquer momento, pode tornar-se perto… Porque tudo, ou quase tudo, a pode trazer até nós.E nada, ou quase nada, somos capazes de fazer quando isso acontece.
    Adorei o poema. Parabéns.
    Vera Lucia

  3. Essa poesia, lida pelo autor em 1965, no Pequeno Auditório do Teatro Guaíra, em Curitiba, foi uma das mais aplaudidas. E entre os poetas que se apresentaram estavam Paulo Leminski e Helena Kolody. Precisa dizer mais?

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