Arquivo do dia: 13 de junho de 2009

Marilda (re)toma os copos

[…] “depois do terceiro copo, você vê as coisas como elas realmente são: terríveis” Oscar Wilde

Ab-sinto

Ab-sinto-me
como se tivesse bebido um litro inteiro de absinto.
Estou sob os defeitos da terceira idade.
Uma calamidade.
Eu devia ter parado na primeira dose,  aos doze,
quando o mundo era como eu queria que fosse.
Ou lá na curva da juventude,
onde, segundo Wilde, no segundo copo
a gente vê as coisas como elas não são.
Meu erro foi acreditar nele.
Oscar parou de beber com pouca idade
vendo como as coisas são no terceiro copo: Só um porre.
Se ele fosse mulher, passasse do quarto copo,
saberia que, na verdade, as coisas são bem piores.
Não vou me matar não, amigo.
Não sou suicida.
Sou curiosa, teimosa, compulsiva
e vou beber dessa vida até a última gota
porque acredito que ela tenha uma relação íntima
com o efeito do absinto.
Pressinto que, no quinto copo,
as coisas estarão como me sinto
num corpo de mais de cinco décadas: decadente, indecente.
Mas, no fim do litro,
findo o líquido,
estarei em equilíbrio, livre e leve como pluma.
E o copo
e o corpo,
xxxxxxxxxnão terão importância alguma.

Novo correntista: José Marins

Haibun junino

José Marins

A imagem de Santo Antônio destacada nos
enfeites do bolo. É fácil ver sorrisos entre a
gente no pátio da igreja.
A polaquinha está vindo a terceira vez.
Na primeira, foi sorteada com a imagenzinha
do santo no pedaço de bolo, arrumou namorado.
Na segunda, o santinho de porcelana foi parar
entre seus dentes, ficou noiva.
Agora, ela é toda sorriso: vai casar!
***
Dia de Santo Antônio
são doces as esperanças
da moça devota

santo_ant_nio_bolo.materiaGrafismo sobre foto de Manuela Salazar

Todos os anos a Igreja do Bom Jesus, aqui em Curitiba,
faz um enorme bolo amarelo, confeitado de açúcar, que
é vendido aos pedaços. No meio dele foram espalhadas
centenas de pequenas imagens de Santo Antônio, quem
tira o Santo no seu pedaço alcança a graça.
Tudo não passa de uma gostosa brincadeira!
Mas se o amor não for alegre, que graça tem……………?

(J.M.)

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José Marins, um haicaísta paranaense

de um artigo de Alvaro Posselt

josemarinsJosé Marins é paranaense de Jandaia do Sul, mas se criou em Umuarama, noroeste do estado. Veio para Curitiba quando tinha 18 anos e mora na cidade há 35 anos. “Curitibanizou-se”, criou raízes e asas, onde das asas só possui agora o coto, pois diz ser uma pessoa caseira, um provinciano que não gosta da metropolização de Curitiba e se sente esmagado pela explosão demográfica, porém, brinca o haicaísta, busca o universo em sua aldeia. É casado com uma curitibana e tem um filho. Formou-se em Psicologia Clínica pela UFPR, é psicoterapeuta de profissão, fez duas pós-graduações, em Educação e Antropologia e Mestrado pela UFPR (a biblioteca da UFPR e a Divisão de Documentação Paranaense da BPP têm exemplares de sua Dissertação de Mestrado). Desistiu da carreira acadêmica. Tem licença de jornalista e editor por trabalhos anteriores nestas áreas. Atualmente busca a Literatura como um caminho de desafios, desafios estes que o estimulam a prosseguir. É um autodidata dedicado, gosta de estudar e de praticar o que aprende. Seu primeiro contato com a poesia foi logo aos 10 anos de idade, em 1963. Ele não conseguira gostar de nada do que lera nos livros escolares, até que nessa época leu uma crônica de Paulo Mendes Campos na Revista Manchete e nunca mais foi o mesmo, descobriu a verdadeira função poética da linguagem escrita. A prosa poética de Campos tocou-o: “então é possível a beleza com a escrita”, lembra-se. Feliz foi a sua descoberta, acabou lendo todas as crônicas de Paulo Mendes que foram publicadas naquela revista. (extraído do blog Meu Artigo)

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E o que é um haibun?

A palavra haibun é formada por hai, de haicai, e bun, que significa escritas, composições ou sentenças (Reichhold, 2002). Bashô praticava o haibun, considerado um de seus mais importantes trabalhos, adicionando nova profundidade ao que era escrito de forma humorística por outros de seus discípulos. Os primeiros exemplos de haibun são encontrados nas crônicas da história do Japão – The Kojiki. De acordo com Reichhold , o haibun passou a ser praticado por autores americanos apenas nos últimos dez anos. No Brasil, essa prática é um pouco mais recente e tem despertado um crescente interesse entre uma pequena parcela da comunidade haicaista. Leia mais em Samauma.

Ao mestre, com carinho

PessoaSerigrLuizBadosaFernando António Nogueira Pessoa nasce a 13 de Junho de 1888, às 3:20 da tarde, no quarto andar esquerdo do n.º 4 do Largo de São Carlos, em frente à ópera de Lisboa (Teatro de São Carlos). São seus pais Maria Magdalena Pinheiro Nogueira Pessoa, natural da Ilha Terceira, nos Açores, de vinte e seis anos, e Joaquim de Seabra Pessoa, natural de Lisboa, de 38 anos, funcionário público no Ministério da Justiça e crítico musical do “Diário de Notícias”. Com eles vivem a avó paterna, Dionísia, e duas criadas velhas, Joana e Emília.*

São os primeiros registros da vida de um homem que se tornaria, anos depois, o maior nome da poesia de língua portuguesa e um dos maiores da poesia universal. São passados 121 anos daquele 13 de junho em que FP ingressava não só na vida, mas na Eternidade. Em sua homenagem, publicamos um pequeno poema, no qual ele imagina uma biografia escrita após sua morte, ocorrida em 30 de novembro de 1935. Mal sabia ele que, entre as duas principais datas de sua vida, haveria tantas cousas produzidas que passariam a pertencer a toda a humanidade.

CasaFPCasa onde FP nasceu, no Largo de São Carlos, nº. 4, em Lisboa

Se depois de eu morrer

Se, depois de eu morrer, quiserem escrever a minha biografia,
Não há nada mais simples.
Tem só duas datas – a da minha nascença e a da minha morte.
Entre uma e outra cousa todos os dias são meus.

Sou fácil de definir.
Vi como um danado.
Amei as coisas sem sentimentalidade nenhuma.
Nunca tive um desejo que não pudesse realizar, porque nunca ceguei.
Mesmo ouvir nunca foi para mim senão um acompanhamento de ver.
Compreendi que as cousas são reais e todas diferntes uma das outras.
Compreendi isto com os olhos, nunca com o pensamento.
Compreender isto com o pensamento seria achá-las todas iguais.

Um dia deu-me o sono como a qualquer criança.
Fechei os olhos e dormi.
Além disso, fui o único poeta da Natureza.

xxxxxx1915
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CertNascimentoCertidão de nascimento e batismo de Fernando Pessoa

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Notas
* Dados do livro Fernando Pessoa, uma fotobiografia. Imprensa Nacional-Casa da Moeda – Centro de Estudos Pessoanos. Lisboa, 1981.
Retrato de Fernando PessoaLuis Badosa -Homenaje a Fernando Pessoa. Óleo s/ tela – 1997 – 116 x 81 cm
Casa natal de FP e certidão de nascimento – do livro Fernando Pessoa, uma fotobiografia

Dicas de Fernando Pessoa – 04

fernando.pessoaEstTEm junho de 1930, Fernando Pessoa é consultado por um jovem literato, com 23 anos incompletos, sobre um livro que este produzira. A carta do amigo foi respondida com amabilidade, em lições de mestre, com observações claras sobre o que ele interpretava como sensibilidade artística e sua aplicação na obra de arte. Dá conselhos, critica o que ainda crê imaturo e indica caminhos para o amadurecimento. O nome do amigo: Adolfo Rocha, que, mais tarde, adotaria o pseudônimo de Miguel Torga e se tornaria também um dos grandes mestres da literatura portuguesa. Transcrevo parte da carta de FP a Adolfo Rocha, o cerne de seu aconselhamento.

xxxxxxxEm substância, e expondo discursivamente, o ponto de vista que lhe expus é o seguinte:
xxxxxxx1) Toda a arte se baseia na sensibilidade, e essencialmente na sensibilidade;
xxxxxxx2) A sensibilidade é pessoal e intransmissível;
xxxxxxx3) Para se transmitir a outrem o que sentimos, e é isso que na arte buscamos fazer, temos que decompor a sensação, rejeitando nela o que é puramente pessoal, aproveitando nela o que, sem deixar de ser individual, é todavia susceptível de generalidade, portanto, compreensível, não direi já pela inteligência, mas ao menos pela sensibilidade dos outros.
xxxxxxx4) Este trabalho intelectual tem dois tempos: a) a intelectualização direta e instintiva da sensibilidade, pela qual ela se converte em transmissível (é isto que vulgarmente se chama “inspiração”, quer dizer, o encontrar por instinto as frases e os ritmos que reduzam a sensação à frase intelectual (prim. versão: tirem da sensação o que não pode ser sensível aos outros e ao mesmo tempo, para compensar, reforçam o que lhes pode ser sensível); b) a reflexão crítica sobre essa intelectualização, que sujeita o produto artístico elaborado pela “inspiração” a um processo inteiramente objetivo – construção, ou ordem lógica, ou simplesmente conceito de escola ou corrente.
xxxxxxx5) Não há arte intelectual, a não ser, é claro, a arte de raciocinar. Simplesmente, do trabalho de intelectualização, em cuja operação consiste a obra de arte como coisa, não só pensada, mas feita, resultam dois tipos de artista: a) o inspirado ou espontâneo, em quem o reflexo crítico é fraco ou nulo, o que não quer dizer nada quanto ao valor da obra; b) o reflexivo e crítico, que elabora, por necessidade orgânica, o já elaborado.

xxxxxxxDir-lhe-ei, e estou certo que concordará comigo, que nada há mais raro neste mundo que um artista espontâneo – isto é, um homem que intelectualiza a sua sensibilidade só o bastante para ela ser aceitável pela sensibilidade alheia; que não critica o que faz, que não submete o que faz a um conceito exterior de escola ou de moda, ou de “maneira”, não de ser, mas de “dever ser”.

xxxxxxx(em Páginas de Estética e de Teoria e Crítica Literárias. Textos estabelecidos e prefaciados por Georg Rudolf Lind e Jacinto do Prado Coelho. Edições Ática: Lisboa, 1973)