Arquivo do dia: 28 de março de 2009

Dicas de Fernando Pessoa – 02

fernandopdesA finalidade da arte não é agradar. O prazer é aqui um meio; neste caso não é um fim. A finalidade da arte é elevar.

Perante este princípio, é bem fácil de solucionar a famosa questão da arte e da moralidade. Não elevamos uma coisa fazendo-a tender para o mal.

Mas não será, então, a filosofia uma arte? O objetivo da filosofia não é também elevar? É, pois o conhecimento eleva – não pode rebaixar ninguém. A minha definição da finalidade da arte é, pois, demasiado ampla, demasiado extensa. Considerando melhor, a finalidade da arte é a ele¬vação do homem por meio da beleza. A finalidade da ciência é a elevação do homem por meio da verdade. A finalidade da religião é a elevação do homem por meio do bem.

Esta classificação permite-nos ver o motivo por que a religião tanto significa e porque é tão difícil levar os homens a abandoná-la. É que a religião é a arte prática.

Mas estou longe de pretender defender a religião. Na realidade, a minha esperança é que fundemos uma religião sem Deus – uma religião puramente do homem, cuja base sejam a benevolência e a bondade, em vez de a fé e a crença.

Por religião, note-se, não quero dizer teologia. Se alguma coisa é, a teologia é uma ciência, parte da metafísica. Sendo assim, a teologia é teórica; a religião é prática. O credo de Auguste Comte é mais religião do que teologia – é, talvez, mais ainda, pois não possui o elemento egoísta da preocupação com a salvação própria.

Como explicamos o gosto que tantos autores revelam por assuntos grosseiros, desagradáveis, repugnantes? Como poderemos explicar (…) de Zola; a Gato Preto, de Edgar Allan Poe?

Um motivo para este gosto encontramo-lo, segundo julgo, no espírito científico e analítico do autor. Outra razão consiste na originalidade do tema. Estará ela no cultivo de sensações novas?

Será tal gosto patológico ou não?

Como Baudelaire no seu Le Voyage, descerão “au fond de l’enfer pour trouver du nouveau”?
Em composições idealísticas, a símbolo tem de ser vago. Por vago, porém, não quero dizer obscuro. O seu significado deveria ser apreendido como vago nos seus limites e nos seus termos – em si próprio deve ser claro. O símbolo idealístico deve parecer-se com as nobres criações femininas de Shelley, as silhuetas, os contornos de cuja beleza inefável são incertos e indefinidos.

O símbolo satírico, por outro lado, deve ser claro, muito claro. Se for vago, deixa de produzir impacto no espírito.

(de Páginas de Estética e de Teoria e Crítica Literárias. Organização de Georg Rudolf Lind e Jacinto do Prado Coelho.Lisboa: Edições Ática, s.d.)